Relações comerciais: das Cruzadas europeias ao protecionismo americano
No século XI, através das Cruzadas, a Europa retomava rotas comerciais que estavam nas mãos dos árabes. As principais ligavam Gênova a Bruges e Veneza a Hamburgo. Estas davam acesso às grandes feiras mercantis, como era o caso da região de Champagne, na França. Posteriormente, iniciava-se a transformação das relações econômicas do planeta. O Oriente passava a negociar com o Ocidente, intensificava-se o comércio via Mediterrâneo e formava-se uma nova classe, a burguesia. Renascia, então, o comércio, reaquecendo efetivamente a economia.
Claramente, o motivo das Cruzadas não era causar toda essa transformação, o embasamento era religioso. Entretanto, os anseios econômicos já despontavam naquela época. Assim, a História aparece para constatar que não é de hoje que existem as guerras comerciais. A ambição e a manifestação de interesses divergentes traçam novos e intensos conflitos. Em um mundo cada vez mais global, todos os agentes do mercado são afetados, principalmente quando se tem, de um lado, os Estados Unidos, e, do outro, um bloco econômico que engloba enormes potências mundiais, a União Europeia.
Hoje, a tecnologia e o desenvolvimento do mercado pressupõem a não obrigatoriedade de um conflito direto. Um possível bloqueio continental, como adotado por Napoleão no ano de 1806, ou um embargo só se torna possível em caso extremo. As negociações ganham relevância, descartando indícios de confrontos mais impetuosos, atribuindo ao substantivo “guerra” um teor mais abstrato. Um enfrentamento desse tipo está ligado ao protecionismo. Não à toa, a maior potência mundial vê-se na urgência de proteger o seu mercado das vastas multinacionais europeias.
Para entender um pouco melhor, basta conhecer as características de cada governante. Após eleito, o presidente Donald Trump pôs em prática as tão prometidas políticas de sua campanha. Nelas, percebia-se um caráter protecionista, para além dos discursos nacionalistas. Com a aparente ameaça à indústria nacional, tanto no setor siderúrgico, como no setor automotivo, medidas assim seriam indispensáveis. Por conseguinte, Trump optou por aplicar tarifas sobre as importações de países da UE. Um exemplo foi a recente sobretaxa do aço e do alumínio, em 25% e 10%, respectivamente. Dessa maneira, o presidente reforçou a suspensão da isenção à cobrança de tarifas aos europeus, além de integrantes do Nafta, como Canadá e México.
Uma política desta magnitude abriu espaço para diversos discursos e contradições. Membros da União Europeia viram-se obrigados a procurar uma forma de retaliar a ação dos americanos. A resposta foi aplicar tarifas sobre o equivalente a € 2,8 bilhões de produtos importados dos Estados Unidos, entre eles: jeans, whisky bourbon e motocicletas. Quando um possível confronto comercial revigora, mesmo indireto, entra em campo a OMC (Organização Mundial do Comércio). Esta permite que um país introduza tarifas em represália a políticas semelhantes anteriormente fixadas por outros países. Foi este o caso, fazendo com que o órgão permitisse a Comissão Europeia decretar impostos adicionais equivalentes a 25% em produtos agrícolas, têxteis, veiculares e siderúrgicos – na tentativa de repor os danos previamente causados.
Em um confronto desses, dificilmente define-se um vencedor, mas uma guerra comercial ultrapassa o âmbito econômico. Politicamente, determina quem manda nas relações, ou seja, quem é ou não qualificado a estabelecer as regras do mercado. Contudo, como em toda guerra, há os seus riscos. Com esta possibilidade, passa a se falar demasiadamente na fragilidade das relações transatlânticas. Os enormes polos industriais encontram-se acometidos. Tratando-se de potências, afeta-se uma cadeia mundial produtiva e consumista, convictamente dependente e interligada.
Exemplo disso seria a ameaça das tarifas adotadas pelos norte-americanos a países como Brasil, Coreia do Sul e Rússia. Ou um dano relativo a Rússia, China e Emirados Árabes pela taxação do alumínio. Ou seja, de forma indireta, políticas que envolvem dois mercados colossais afligem mercados terceiros. A parceria transatlântica de comércio e investimento apresenta-se amplamente comprometida.
Para alívio geral, recentemente, Donald Trump e Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, decidiram trabalhar juntos para zerar as tarifas, os subsídios em produtos industriais não-automotivos e as barreiras não tarifárias. Isto serviu para amenizar as trocas de acusações. A redução das tarifas por ambas as partes coordena o andamento de uma possível conciliação. No entanto, Trump já ameaçou aplicar tarifas de até 20% sobre os automóveis produzidos pelo bloco, na hipótese de uma não concessão e não abertura à entrada de mercadorias americanas no mercado europeu de modo mais natural. Apesar disso, conclui-se que este acordo alegra o comércio na sua totalidade.
Ademais, o protecionismo pode apresentar um custo maior do que o imaginado. Por um lado, Donald Trump afirma proteger os empregos nos EUA e incentivar o desenvolvimento da indústria interna, já que o aço é um componente insignificante no Produto Interno Bruto americano. Isso se deve a uma tendência instituída em 1970, quando o país passou a importar mais, deixando de ser essencialmente produtivo no setor siderúrgico. Logo, passaram a ser os maiores importadores de aço do mundo.
Por outro lado, tudo isso pode fazer aumentar os preços tanto do aço, como do alumínio, ampliando os gastos das empresas e, consequentemente, causando mais cortes de empregos do que geração de vagas. Afinal, a siderurgia nacional emprega cerca de 220 mil trabalhadores (setores do aço e do alumínio, conjuntamente), ao passo que as empresas diretamente penalizadas com as tarifas, ou seja, as indústrias que consomem esses produtos, empregam em torno de 6,5 milhões de norte-americanos.
Neste campo de contradições em que se depara o mundo atual, a emergência de procurar soluções acaba por criar desilusões. Ocasionalmente, faz-se imprescindível proteger as fronteiras comerciais. Mas até onde vai o protecionismo? Vale o sacrifício? A evolução dos mercados trouxe maior heterogeneidade às relações. Qualquer postura adotada acarreta em outras complexidades. As Cruzadas serviram para reforçar o quão impactante pode ser uma guerra comercial. Antes, lutava-se pela retomada de rotas comerciais. Hoje, estas começam a entrar em colapso pela “auto-insuficiência” de mercados distintos, altamente dependentes de outros.
Gabriel Laranja
Membro de finanças corporativas do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.