Juros: um instrumento de política monetária, e não cambial

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Nos últimos dois meses, os mercados emergentes vêm sofrendo grande pressão externa devido à redução de estímulos monetários em vigor desde a crise financeira global, além de turbulências políticas internas em alguns países – com destaque para Argentina, Turquia e, mais recentemente, Brasil. As sinalizações do Federal Reserve de mais altas de juros à frente têm levado investidores globais a realocar seus recursos, com saída dos mercados de maior risco em detrimento de países mais avançados, em especial os Estados Unidos, cuja economia segue crescendo de forma bastante sólida após os estímulos fiscais recebidos no final do último ano. Esse cenário contribui para a alta do dólar e vem se mostrando desafiador para alguns emergentes, principalmente por colocar em evidência as fragilidades dessas economias. Deste modo, os investidores vêm exigindo prêmios de risco cada vez mais elevados para aplicar nesses mercados.

        No Brasil, o profundo ciclo de corte da Selic ao mesmo tempo em que as taxas de juros norte-americanas subiram, levou o diferencial de juros entre o Brasil e o exterior para seu menor nível desde 1994. Aproveitando-se de mecanismos de hedge mais baratos, investidores estrangeiros começaram a se proteger do ambiente de grande incerteza política, econômica e fiscal que por aqui se instaura. Nesse contexto, o Banco Central decidiu encerrar o ciclo de cortes da Selic para evitar maior desvalorização do câmbio, surpreendendo boa parte do mercado. Porém, não muito depois, veio a greve dos caminhoneiros, que parou o país por quase uma semana e tornou transparente a fragilidade da estabilidade fiscal. Agora, essa alta recente do dólar trouxe a debate um tema que não estava nos planos do Banco Central: a possibilidade de elevação dos juros ainda neste ano. No mercado futuro, é contemplada uma possível elevação de 0,5 já daqui a duas reuniões do Copom. Economicamente, no entanto, isso não faria sentido, mesmo que o dólar voltasse a rondar os R$ 4,00.

        Desde 1999, vigora no Brasil o regime de metas de inflação, que tem sido relativamente bem-sucedido e um dos poucos aspectos que não mudou ao longo dos anos. Nesse tipo de regime, uma mudança na taxa de juros só se faz necessária quando as expectativas e a trajetória de inflação projetada pelo Banco Central divergem da meta. Então, um aperto dos juros só faria sentido caso a depreciação cambial, que tem um efeito inflacionário devido ao repasse do aumento dos custos das empresas aos consumidores, fosse grande o suficiente para desviar as expectativas de inflação em relação à trajetória de metas. Mas, no momento, a inflação segue totalmente sob controle, trabalhando ainda bem abaixo da meta de 4,5% ao ano estabelecida pelo Banco Central, e, dada a lenta recuperação da economia, não parece provável que uma elevação dos juros nos próximos meses se faça necessária.

        É válido ressaltar também que a situação brasileira é bastante diferente das de Argentina e Turquia, que precisaram recorrer à política monetária para tentar conter a depreciação de suas moedas. Ambas trabalham com taxas de inflação bem maiores (25% na Argentina e 12% na Turquia), elevados déficits em conta corrente (5% do PIB na Argentina e 6% do PIB na Turquia), além de baixos níveis de reservas internacionais, precisando então atrair capital estrangeiro para financiar o déficit externo. No Brasil, a inflação nos últimos 12 meses foi de 2,9%, o último resultado em sua conta corrente foi o melhor desde 2007 com um déficit de apenas 0,4% do PIB e o investimento estrangeiro direto permanece elevado, fazendo com que a necessidade de financiamento externo seja bastante reduzida. Além disso, o país ainda tem US$ 380 bilhões em reservas internacionais, tendo então mecanismos para gerar liquidez tanto na busca de proteção com os swaps quanto no mercado à vista.

        Deste modo, enquanto as expectativas de inflação não se desviarem de forma relevante da trajetória de metas, o Banco Central deve recorrer a esses outros artifícios caso deseje segurar o câmbio, e não à política monetária. A economia brasileira ainda precisa de estímulos para crescer, e nos últimos meses isso apenas ficou mais claro. A mediana das projeções do PIB para este ano, divulgada no Relatório Focus do Banco Central, passou de 2,84% no final de março para 1,94% em junho, com muitos economistas achando que poderá cair ainda mais. O cenário eleitoral nebuloso, aliado à piora dos níveis de confiança com a greve dos caminhoneiros, impede uma retomada mais forte da atividade, já que tanto os consumidores quanto os empresários ficam mais receosos em gastar/investir.

        A maior fragilidade da economia brasileira está no lado fiscal, e a desvalorização do real tem como um dos seus causadores o fator eleição. O candidato preferido do mercado, Geraldo Alckmin, segue com baixo grau de preferência nas pesquisas até o momento, tendo Jair Bolsonaro, Marina Silva e Ciro Gomes à frente, e nenhum dos três têm compromisso firme com as reformas estruturais que a economia tanto precisa. Isso complica bastante o trabalho do Banco Central, já que este precisou agir mais cedo do que gostaria no mercado de câmbio, tendo que enfrentar ainda um longo período de volatilidade mais elevada até as eleições. No entanto, o BCB possui um bom arsenal para reduzir as oscilações do dólar sem recorrer aos juros. Crescimento fraco (abaixo do potencial) e inflação abaixo da meta são mais do que o suficiente para absorver os impactos da depreciação cambial, e o cenário atual ainda pede por manutenção dos juros baixos por um período maior de tempo. O aumento da taxa, inclusive, poderia trazer mais desconfiança quanto à capacidade do governo de honrar seus compromissos.

JoseSilva

José Silva

Diretor Operacional do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.

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