A aguda relação EUA-Emergentes

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Como é de praxe no mundo financeiro, grande foco tem sido direcionado aos rumos tomados nos âmbitos político e econômico dos EUA, para, a partir disso, se obter uma visão mais clara do que reserva o futuro, vide a influência do país sobre a economia mundial. Recentemente, os fatores que chamam mais a atenção e que geram maior margem para discussões e reflexões remetem à forte valorização do dólar perante uma cesta de moedas, em particular, moedas dos mercados considerados emergentes (grupo no qual o Brasil está inserido). Além disso, viu-se um grande avanço na taxa de rendimentos do Tesouro americano de 10 anos, o benchmark do mercado, que se mantém hoje acima dos 3%, o maior valor entre as taxas de nações desenvolvidas. Dito isso, muito do cenário econômico estadunidense e mundial deve ser levado em conta quando se deseja entender tanto as causas quanto as consequências dos mencionados fatos.

No Brasil, particularmente, muito é falado sobre a apreciação do dólar frente à moeda local, o real, que chegou a bater R$ 3,77 na última semana. No caso brasileiro, o fator doméstico pesa acentuadamente contra o desempenho do real, apesar de, obviamente, não ser o único responsável. O ano de eleição, seguido de incertezas políticas quanto aos candidatos e suas agendas econômicas, bem como o grande rombo fiscal no orçamento do governo servem como pretexto (compreensível) para a fuga de capital estrangeiro do país. Paralelamente, vale citar a situação delicada pela qual passa a Argentina, segunda maior economia latina (em termos de PIB), refém de nova crise financeira, que, somada ao alto déficit e histórico de calotes, tem sido enxergada com maus olhos por investidores estrangeiros.

O dólar fortalecido é comumente um sinal de tensão nos governos de países classificados como emergentes. A justificativa para isso se encontra no fato de boa parte dos emergentes possuir dívida dolarizada, pois  governos, bancos e corporações usualmente tomam empréstimos e estabelecem suas operações utilizando financiamento de baixo custo em dólares. Levando em conta o panorama econômico dos EUA atualmente, o tópico de maior relevância, que atrai os focos de investidores e analistas, é o processo de aperto monetário orquestrado pelo Fed (o banco central americano). Dessa forma, o aumento dos juros provoca influxo de capitais para os EUA, o que é altamente prejudicial para as economias emergentes, historicamente dependentes de investimentos externos. Um estudo feito por grandes instituições financeiras do planeta aponta que os países mais vulneráveis à dilatação dos juros são Brasil, Turquia e África do Sul.

Ainda sobre o processo de normalização de política monetária norte americana, os dados relacionados à inflação são sempre ansiosamente aguardados, uma vez que, caso o indicador apresente aceleração maior que o esperado, o reflexo disso seria um ciclo de aumento nos juros mais agressivo por parte do Fed, visando conter a pressão inflacionária. Em março, o índice inflacionário atingiu a meta de 2% traçada pelo banco central estadunidense, algo que não acontecia há mais de um ano. Ainda, os mercados de trabalho mais apertados (com taxa de desemprego em torno da mínima histórica), o estímulo fiscal proveniente da reforma tributária sancionada por Donald Trump e os preços elevados das commodities contribuem para as perspectivas de maiores pressões nos preços, elevando ainda mais as preocupações quanto aos possíveis efeitos colaterais dos movimentos do Fed sobre a economia.

Entretanto, há também fatores deflacionários que devem restringir a elevação nos juros para, no máximo, quatro vezes este ano. Atualmente, grande parte do consumo norte americano envolve serviços, mais especificamente setores de baixos níveis salariais, tais como restaurantes e lojas. Dessa forma, novos empregos tendem a apresentar posições baixas na escala de remunerações. A procura por mão de obra barata, não só nos EUA, mas também em outras regiões do globo, contrabalanceia os efeitos de pressão sobre os salários nos mercados mais desenvolvidos. Ademais, o país passou pelo que foi considerado um choque positivo pelo lado da oferta – a reforma tributária – com incentivos a investimentos e desregulamentação, além de ter passado também por um choque negativo do ponto de vista da demanda. Tudo isso enquanto o Fed conduz a remoção da acomodação monetária. Ambos os choques colaboram para alívio na pressão sobre a inflação.

Por último, mas não menos importante, os movimentos do referido indicador não se restringem à estrutura doméstica, mantendo em mente o mundo altamente globalizado que é o de hoje. Levando em consideração que tanto Japão quanto Reino Unido seguem reportando fracos números de inflação, e Alemanha e Itália veem seus respectivos índices de preços registrarem desaceleração, não há garantia de que os EUA sejam capazes de ir na contramão da tendência inflacionária dessas outras nações desenvolvidas, principalmente se o dólar permanecer se fortalecendo frente às demais moedas.

Dado esse cenário, é notável a dimensão da importância de um monitoramento meticuloso do índice de preços, sendo explicitada sua relação direta com a intensidade do aumento do preço do dinheiro. Como mencionado no começo deste texto, muito da grande valorização na taxa de rendimento do Tesouro para acima do patamar de 3% se deve às reações e sentimentos de investidores quanto ao progresso na normalização da política.

O crescimento da referida taxa, que ocorre de forma inversa à precificação de um título, é um reflexo das expectativas de futuras elevações nos juros. A metodologia funciona de forma que, com a expansão dos juros, os custos de empréstimos para as companhias se expandem, tornando mais árdua a tarefa de aumentar salários, investir e distribuir dividendos aos acionistas. Em decorrência disso, os incentivos aos investidores de aplicar em renda variável se tornam menores, afetando consideravelmente o desempenho das principais bolsas norte americanas (Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq).

Já era esperado que o ano de 2018 traria consigo grande volatilidade para os mercados acionários ao redor do mundo, justamente por causa da onda de indefinições acerca das ações do banco central norte americano e pela imprevisibilidade das políticas adotadas pelo presidente Donald Trump. Sendo assim, é altamente recomendado que os eventos no médio prazo sejam cuidadosamente observados, desde a questão doméstica, até o progresso inflacionário dos EUA e fontes de tensões geopolíticas em potencial, como a Coreia do Norte, e as negociações ainda em desenvolvimento quanto às desavenças comerciais entre as duas maiores economias do mundo (EUA e China).


   Pedro Tonazzi

Membro de Análise Macroeconômica do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.

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