Guerra econômica: um “efeito borboleta”
Desde os primórdios, a humanidade enfrenta uma série de guerras por conta, basicamente, de três fatores: economia, terras e riquezas. Diversas mentes vêm tentando mostrar, ao longo dos séculos, como contornar este problema. Se a parcimônia fosse seguida de acordo com certas ideias, a exemplo de Adam Smith (princípio básico do “laissez-faire”) e David Ricardo (idéia da teoria dos valores e vantagem comparativa, aperfeiçoada a partir da ideia de vantagem absoluta de Adam Smith), estaríamos vivendo em uma economia na qual ninguém sairia lesado ou em explícita desvantagem comercial, quando se tratassem de transações comerciais. Porém, recentemente, o aumento dos impostos e o protecionismo praticados pelos os EUA mostram que este mundo idealizado está longe de ser a realidade dos dias atuais.
O aumento nas tarifas do aço e alumínio (25% e 10% dos importados, respectivamente) dos Estados Unidos mostrou-se um movimento bastante perigoso, não só para o país, como para o mundo. A prática protecionista do presidente dos EUA, Donald Trump, que ele tanto prometera em sua campanha, está finalmente entrando em vigor. A partir dela, espera-se uma cadeia de eventos, como uma série de retaliações, que pode fazer com que as commodities e os mercados globais acabem registrando um prejuízo enorme.
Esse prejuízo poderá acarretar na elevação de preços globais. Desde que Trump anunciou que iria aumentar a tarifa do aço, diversos governadores, como os dos estados de Alabama e de Kentucky, se mostraram contra. Nem mesmo seus economistas acataram muito bem a ideia. Pelo contrário, houve um enorme revés na casa Branca, que acabou com o pedido de demissão de seu principal assessor econômico, Gary Cohn, no dia 6 de março. Cohn era uma das figuras mais emblemáticas do governo Trump: foi considerado o arquiteto da reforma tributária. Ele foi contra as políticas protecionistas do presidente, afirmando, antes da notícia do aumento da tarifa, que, se ela fosse colocada em pauta, ele pediria demissão imediatamente.
As tensões na Casa Branca não são os únicos problemas que os EUA poderão enfrentar depois dessa taxação nas exportações. A União Europeia (UE), o Canadá e o México podem ser grandes empecilhos para o governo norte americano. Após o anúncio de aumento da tarifa, a comissária de Comércio da UE, Cecilia Malmström, falou que estaria pensando na possibilidade de criar impostos sobre produtos agrícolas, incluindo bourbon, cranberries, manteiga de amendoim e suco de laranja. O objetivo foi claro e conciso: colocar pressão sobre Trump, mostrando que o aço não é o único produto com o qual os EUA têm que se preocupar. O país é grande exportador de produtos agrícolas, como os supracitados. A Geórgia, por exemplo, é um estado conhecido como “País do Amendoim”.
Em resposta a UE, o presidente dos EUA afirmou, em sua conta no Twitter, que uma “guerra comercial é boa e fácil de se vencer”. Assim, Donald Trump contrariou vários economistas, que ainda citaram o próprio setor agrícola como mais importante do que o segmento do aço e alumínio, empregando mais pessoas que as indústrias que o presidente quer proteger. Trump também afirmou que, se por acaso a ameaça se concretizasse, o governo norte americano iria taxar a importação de automóveis, segmento em que a Europa é a maior produtora mundial. Se Trump realmente fizer isto, ele gerará uma cadeia de reações e contra-reações em massa, causando um verdadeiro “efeito cascata” ou “efeito borboleta” na economia mundial.
Sexta feira, após o anúncio da taxação, o governo americano isentou seus parceiros comerciais (Canadá e México) dos impostos. Isso se deve ao fato de pressionar por um novo acordo do NAFTA. Segundo Trump, o NAFTA tem sido um mau negócio para os EUA. De acordo com ele, a parceria traz “um grande déficit comercial com México e Canadá, acarretando uma saída massiva de empregos e empresas”.
A história de Trump e NAFTA já é bastante conhecida. Esta perdura desde de sua caminhada para a presidência, quando falava em sair do bloco, pois o tratado era uma afronta aos EUA. Com sua chegada à presidência, o presidente norte americano começou as conversas para que se iniciasse uma saída dos EUA. Mas, com pouco apoio de seu Congresso, ele optou pela renegociação das condições para a permanência do país no bloco. Com a taxação do aço, Trump fez uma jogada política ardilosa, pois obriga Canadá e México a terem que renegociar as condições do tratado. O Canadá é o maior exportador de aço para os EUA, e o México, o quarto maior.
Como se já não tivesse problemas suficientes dentro de suas fronteiras e com seus vizinhos, o governo vive um momento de tensão com a China, sua maior rival em aspectos econômicos. A negativa da China para suspender a importação de carvão da Coreia do Norte não foi bem recepcionada pela Casa Branca. O estopim, ocorrido no mês passado, foi quando a China anunciou um superávit comercial recorde com os EUA. Além do imposto sobre o alumínio e aço, a Casa Branca poderá, num futuro, se o conflito comercial for mesmo confirmado, preparar tarifas e cotas de importações especialmente para a China.
Esse conflito poderá ter um preço alto. O último conflito de grande proporção se desenrolou no governo Reagan, na década de 1980, quando ele usou contra o Japão os mesmos armamentos que os EUA poderão usar contra a China. Porém, naquele tempo, o conflito era desproporcional entre as economias, e o Japão era um aliado dos norte americanos. É muito provável que, se o pacote for aprovado, a China taxe os produtos agrícolas, gerando assim um conflito que, por consequência, termine numa alta de preços em todos os produtos, já que a China é responsável por cerca de um terço da produção mundial de bens industrializados.
O temor de uma guerra comercial nunca ficou tão evidente no mundo. O aumento das tarifas do aço e alumínio e o protecionismo do governo Trump geraram enorme incerteza. Incerteza essa, que é compartilhada pelos investidores, com posições abertas no mercado, sem saber qual rumo deverão tomar. O presidente norte americano, assim, segue arrastando o mundo para incertezas, com pressão de preços em todos os produtos, a nível mundial, devido às retaliações comerciais. Este “efeito borboleta” é, atualmente, a única certeza que temos.
Marcelo Lopez
Membro de finanças corporativas do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.