GENTE FINA, ELEGANTE E SINCERA
“Eu vejo um novo começo de era, de gente fina elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais sim do que não” – Tempos Modernos, Lulu Santos (1982).
A década de 1980 foi uma das mais profícuas do pop-rock nacional. Vários artistas e bandas surgiram ali, nos estertores da ditadura, quando o país caminhava vagarosamente para o processo de abertura política e redemocratização. Nesse ambiente de transição, jovens talentos despontavam para o cenário artístico, como Cazuza, Renato Russo e Lulu Santos, manifestando suas críticas em músicas que viraram sucessos atemporais.
Nos últimos dias, tenho lido (e ouvido) diversos cientistas políticos e economistas apregoando que estamos vivendo o fim de uma era. Curioso é que, se Lulu Santos estava certo, a nova era por ele sugerida foi muito efêmera; durou pouco mais de três décadas, só que com as pessoas dizendo mais não do que sim.
Queria discordar dessa visão atual, de que estamos experimentando o fim de um ciclo e adentrando em novos tempos. Discordo, se assumirmos que a tendência do Homem é buscar dias melhores para si. Foi assim, só para pontuar, com a Revolução Francesa e o Iluminismo.
Um ótimo exemplo para fundamentar meu ponto de vista seria um leitor abrir o jornal agora e se deparar com notícias do tipo: “França, triunfo da categoria liberal e um fracasso para o movimento operário”. Ok, pode ser um ponto fora da curva. Então, que tal esta: “Apenas 1% da população global detém 45% da riqueza”. Não gostou? Olhe esta: “Estados Unidos abandonam acordo climático de Paris”. Que nova era é essa?
Interessante que poucos desses analistas estão avaliando a questão sob a ótica econômica. Se assim fosse, não estaríamos com os índices de ações em seus highs históricos há tanto tempo. Eu, por exemplo, defendo que os valuations das ações de tecnologia, lá fora, estão absurdamente acima do razoável, e que, em breve, veremos uma realização mais acentuada em seus preços. Mas não creio que a “coisa” seja por aí!
Uma “new age” verdadeira, a meu juízo, teria foco mais abrangente, além da economia. Uma ênfase no Homem, aderente a uma espécie de “Iluminismo moderno”, me parece mais provável. Se eu estiver correto, (convenhamos) não combina com o momento presente. O máximo que aceito, por ora, é afirmarmos que a onda conservadora e protecionista que estourou sobre os países centrais (Trump, Brexit etc) é uma espécie de reação ao liberalismo extremado do “Consenso de Washington”, o que alguns colegas acadêmicos estão chamando de “desglobalização”.
Mas não é só no “mundo” que os analistas advogam essa tese de mudanças. Aqui no Brasil, vivemos um momento atípico, e são muitas as vozes que defendem que estamos num processo de inflexão irreversível. Também tendo a discordar. Por quê?
Nossa classe política pecou nos últimos anos, como mostram as operações deslanchadas pela Polícia Federal (notadamente a Lava Jato e seus desdobramentos). Através delas, as instituições (MPF e Justiça Comum) entraram em ação, para desempenhar seu papel de manter o ordenamento jurídico, característico de um Estado democrático de direito. Devemos nos lembrar, no entanto, que não estamos sob a égide da Constituição de 1824, quando havia o chamado Poder Moderador. Assim sendo, o Judiciário deve agir como guardião da Constituição, porém sem exacerbar suas funções. Aqui me parece que há um exagero, por parte dos analistas, de que a Justiça, per se, é a solução. Penso que, para sairmos desse imbróglio que nos metemos, precisamos resgatar a harmonia entre os três poderes. A transladação do sistema político atual exige o comprometimento de todos, mas cada qual dentro de suas atribuições constitucionais; cada um “no seu quadrado”.
O ambiente geral é desafiador, mas não revolucionário. Minha expectativa é de que caminharemos a passos lentos para uma mudança mais significativa, que possa ser considerada uma nova filosofia de vida, de deferência pela natureza e de valorização da própria espécie. Levarão décadas até que o planeta se manifeste de forma contundente, a despeito dos sinais que vêm sendo emitidos por todos os lados. Minha crença é de que a nova era preconizada não nascerá por consenso, mas por absoluta necessidade de sobrevivência, onde, aí sim, pessoas elegantes e sinceras vão dizer mais sim do que não.