“Abram-se os Portos”: o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia

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Em janeiro de 1808, 6 dias após a chegada da família real a terras brasileiras, o príncipe regente D. João VI teve como seu primeiro feito a assinatura do “Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas”. Com essa atitude, ele acabava com o pacto colonial e revolucionava a economia da colônia, que mais tarde se veria independente. Essa foi, para alguns, uma das primeiras atitudes liberais no mundo após o início da revolução industrial. Hoje, mais de 200 anos depois, estamos experimentando algo semelhante.

No dia 28 de junho, foi divulgada a conclusão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia que vinha sendo negociado há 20 anos. Foram definidos os principais pontos que tornarão mais baratos produtos agropecuários e industriais.

Para maior clareza, devemos entender melhor quem são os agentes do acordo. Os principais blocos econômicos começaram a se firmar após a dissolução da URSS e o fim da bipolaridade mundial, no início da década de 1990. A globalização tomava forma. O Mercosul foi criado em 1991, tendo como membros Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O bloco é uma União Aduaneira, ou seja, uma área de livre comércio com uma Tarifa Externa Comum (TEC). A União Europeia é uma área de mercado comum com moeda única, livre circulação de pessoas e mercadorias e órgãos administrativos. Juntos, somam um Produto Interno Bruto (PIB) de U$ 20 trilhões (25% da economia mundial) e um mercado consumidor de 780 milhões de pessoas.

Hoje, cerca de 24% dos produtos exportados para UE está livre de tarifas, mas esse número chegaria a 95% com a efetivação do acordo, segundo o Itamaraty. Caso incluamos os produtos que terão tarifas diminuídas ou que possuem quotas, o número chega a 99%. Já o Mercosul acabará com tarifas em 91% dos produtos importados.

De acordo com estimativas do Ministério da Economia, o acordo “representará um incremento do PIB brasileiro de 87,5 bilhões de dólares em 15 anos, podendo chegar a 125 bilhões de dólares se considerados a redução das barreiras não-tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos fatores de produção”. O Brasil seria, talvez, o mais beneficiado pelo acordo, uma vez que representa 81% das exportações para UE. Por outro lado, absorvemos cerca de 78% das importações. São exportados majoritariamente produtos agropecuários e outros bens primários, e importados manufaturados, destacando-se petróleo refinado, medicamentos e autopeças.

Mas qual o motivo desse acordo ser tão importante para a nossa economia? Nosso país é assolado pelo protecionismo estatal desde sempre. Diante dos números supracitados, a balança comercial entre nós e a UE tende a ser equilibrada, entretanto a tarifa média imposta a produtos europeus por nós é de 12%, enquanto eles impõem uma tarifa média de 6% aos nossos. O que essa política nos traz? Apenas nos obriga a consumir produtos de qualidade inferior.

As tarifas brasileiras “mimam” nossos produtores. Estamos pagando mais caro do que pagaríamos por importados caso não houvesse tarifas alfandegárias. Uma vez efetivado o acordo, o mercado brasileiro sofreria um pouco, mas aumentaríamos nosso poder de compra.

Podemos elucidar essa questão ao tomar o conceito de vantagem comparativa, onde um certo produtor poderia produzir algo investindo menos recursos (capital, trabalho, insumos) que outro, enquanto essa vantagem fosse análoga ao outro produtor, produzindo outra mercadoria. O mais sensato seria cada um produzir o que faz melhor e trocar o excedente. Isso se aplica ao comércio exterior, sendo esse movimento de troca impedido pela imposição de tarifas. Se o Brasil é melhor em produzir bens primários, seria mais lucrativo para nós nos dedicarmos a esse ramo e importar outros produtos que precisássemos. Com o tempo e capital acumulado, o país poderia investir em tecnologia e desenvolvimento em outras áreas, o que se refletiria na questão socioeconômica da população.

Podemos tentar entender esses altos custos de produção brasileira a partir da dificuldade em empreender, o que dificulta a competição interna e beneficia as grandes corporações. E também a partir dos altos custos de mão de obra atrelados a um baixo índice de produtividade. Mais uma vez, um Estado forte se mostra como uma barreira ao bem-estar da economia.

A conclusão do acordo foi alavancada por líderes sul-americanos com viés neoliberal. Depois de anos sob o poder de peronistas e petistas, Argentina e Brasil, respectivamente, elegeram presidentes liberais: Maurício Macri e Jair Bolsonaro, ambos tendo em suas propostas menor intervenção do Estado na economia e abertura comercial, o que culminou numa aceleração do processo.

Poucos meses depois da conclusão do acordo, o equilíbrio diplomático já foi quebrado com a polêmica das queimadas na floresta amazônica, quando o governo brasileiro foi acusado de se omitir ao fato. As principais desavenças se deram entre o presidente francês Emanuel Macron e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, pondo em risco o acordo. Outros países, como Irlanda e Áustria, também criticaram tal atitude. No entanto, esse rápido desentendimento entre líderes não possui tanto peso e significância para se sobressair a outros acordos, que vão além da esfera política.

O texto do acordo ainda precisa ser analisado pelo parlamento europeu e pelos 32 países envolvidos, o que requer certa parcimônia política durante um período de aproximadamente 2 anos para otimistas, mas especialistas dizem que o prazo pode ser de até 4 anos. Para nós, é desejável que se resolva o quanto antes, uma vez que estamos diante de ânimos voláteis.

Autor: Théo Garcia

cemec  

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