Do novo e do velho: um panorama da Arábia Saudita

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Desde a dissolução do Império Otomano, o Oriente Médio talvez seja o território que carrega consigo a “tradição” de maior continuidade no que tange a conflitos e confrontos armados. Diante do enorme debate que visa a esmiuçar todo o arranjo geopolítico e cultural que se sucedeu ao ano de 1922, um dos atores centrais é o Reino da Arábia Saudita, local onde a história se confunde com a dinastia governante, seja no nome – literalmente, homônimos – seja no xadrez político.

Contudo, não é o objetivo deste texto tratar de assuntos históricos ou socioculturais. Deixemos isso para Edward Lawrence – incontestável – e sua obra. Nos parágrafos que se seguem a esta introdução, busca-se explicar os principais pontos referentes ao recente imbróglio diplomático envolvendo as duas principais lideranças muçulmanas para o mundo ocidental.  Este tema é motivo de debate entre os especialistas, principalmente após o 11 de setembro, e vem causando preocupações no mercado, sobretudo no que concerne aos membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e aos EUA.

No Consulado Geral da Arábia Saudita em Istambul, o jornalista Jamal Khashoggi, conhecido por ser um áspero crítico da dinastia dos Al Saud, desaparece. Após muita especulação no âmbito regional, com as autoridades turcas indagando os sauditas acerca do caso, o acontecimento toma proporções mundiais após a mudança no tom do discurso de Donald Trump e sua ênfase na parte em que se refere à “medidas severas” quanto ao caso. Tal fala veio num contexto em que boa parte dos países ocidentais virou-se para os EUA cobrando algum posicionamento, visto a proximidade histórica e a influência da América no jogo de poder do Oriente Médio.

Desde o estopim – com a Turquia negando que teria vazado os supostos áudios da tortura do jornalista – o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, reforçava constantemente seu posicionamento de que teria havido assassinato por parte dos “capangas” da Monarquia Saudita. De início, Trump relutou em adotar uma postura crítica ao rei Salman, tendo inclusive conversado com este por telefone, em conversa que o monarca teria negado firmemente seu envolvimento com o até então “desaparecimento”. Contudo, dias depois, o canal de notícias Estatais do Reino admitiu a morte do jornalista,  alegando uma briga do mesmo com funcionários do consulado.

Consequentemente, repercutiu em todo o globo o abalo nas relações entre as duas potências, sendo uma global e a outra, regional. Afinal, qual o impacto de um assassinato político em pleno século XXI, tendo este repercutido em duas esferas culturais, diplomáticas e sociológicas? É possível mensurar, prever ou mesmo especular quanto ao curto, médio e longo prazos do equilíbrio de poder no Oriente Médio? Bem, esta é a pergunta do milhão. Para imaginar uma análise da celeuma diplomática gerada pelo desaparecimento de Khashoggi num cenário complexo e repleto de variáveis, faz-se necessário adotar uma avaliação mista – porém não construtivista – dos incidentes.

De início, há implicações geoestratégicas. Desde o governo Truman (1945-1953), os EUA são um dos atores centrais em tensões envolvendo questões de cunho regional no Oriente Médio. Tendo estabelecido relações diplomáticas com a monarquia saudita no ano de 1933, o país levou como “brinde” a concessão de extração de petróleo por meio da Socal (Standard Oil Co. of California), elevando os eixos de negociação e influência da região. Tal ato é classificado como uma das grandes jóias da diplomacia norte-americana, visto que, na década seguinte, Roosevelt viria a classificar a Arábia Saudita como “área vital para a segurança dos Estados Unidos”, dando início ao período de parceria econômica com o regime em plena estruturação. Tal pacto bilateral pode ser sintetizado com a criação da Arabian-American Company (Aramco), em 1944, derivada da fusão entre a Socal e a Texaco –  esta última já atuante na Ásia e em franco regime de expansão.

Passado o período imediato pós-segunda guerra, o reino dos Al Saud se tornou – junto com Israel – um dos sustentáculos de influência norte-americana em todo um território marcado pela violências dos conflitos étnicos, religiosos e até mesmo econômicos. Contudo, ao mesmo tempo, grandes transformações econômicas eram vividas pelos habitantes do reino. Se antes era uma economia rasa e inteiramente dependente do petróleo, nas últimas duas décadas o país experimentou uma série de medidas que visam transformar a nação, até então conhecida pela rigidez de sua teocracia, num pólo global de embarque/desembarque e também em um paraíso do mercado financeiro.

Um dos episódios recentes – e que talvez tenha sido o início de uma série de acontecimentos que retomaram o debate acerca da abertura do país – foi a nomeação de Mohammed bin Salman bin Abdulaziz para o primeiro posto da linha sucessória. O ocorrido pegou seus vizinhos e aliados de surpresa e foi visto como uma jogada estratégica por uns, enquanto era um golpe para outros. O fato é que, desde sua ascensão ao trono, houve início ao período que é chamado por muitos de “segunda onda” – temática ímpar num mundo cada vez mais globalizado. Uma das medidas mais famosas foi a permissão do “porte” e retirada da carteira de habilitação por parte das mulheres, o que indicou o tom do novo discurso por parte do governante do país.

Entretanto, tais mudanças – em conjunto com famosa “Agenda 2030” – já nascem contestadas. Muitos acusam a monarquia de estar adotando uma postura semelhante à de Dubai e a de outros emirados, que fazem uma adaptação da democracia liberal ocidental, sem abrir mão de muitos dos seus sustentáculos políticos e religiosos. Unanimidades como o sistema de guardiões, onde mulheres precisam da autorização de um homem para viajar ao exterior, passaram a ser questionadas, mas logo foram suprimidas. No fim das contas, a grande pergunta que o mundo se faz neste exato momento é: afinal, a onda liberal vivida pelo reino é real? Ou estariam acontecimentos, como as misteriosas quedas de aviões de rivais, dando indícios da continuidade à Lei de Talião ?

Oscilando em torno do 17° lugar nos rankings de competitividade global, a nova era e a reestruturação energética global trouxeram novos desafios para a península. Com a queda na cotação do barril – ainda na década de 80 – fez-se necessário que novos nichos fossem almejados. Nesse meio tempo, algumas reformas foram feitas. Mas, desde o início do mês, o mundo voltou a questionar: estaria a Arábia Saudita preparada para uma nova era?

 

José Wellington (1)

José Wellington

Membro de Análise Macroeconômica do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.

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