O desalinhamento político italiano: causas e consequências na questão fiscal

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O cenário de incertezas econômicas em vigência na Itália possui raízes que datam do período pré-crise de 2008. Entretanto, como fator agravante de tal instabilidade destaca-se a questão da dissolução do parlamento, ocorrida em dezembro de 2017 pelo presidente italiano, Sergio Mattarella. Consequentemente, eleições foram convocadas para março deste ano, trazendo um cenário de contrastes.

De um lado, apresentava-se o Movimento 5 Estrelas. Liderado por Luigi Di Maio, o partido se posiciona no espectro político centro-esquerda. No extremo oposto, há o partido Liga Norte, presidido por Matteo Salvini, adepto ao posicionamento de direita, apesar do caráter nacionalista e protecionista. Este compõe uma aliança com o partido Força Itália, de mesmo viés político. Com o resultado inconclusivo das eleições, longas conversas se desdobraram no decorrer de nove semanas de incertezas, resultando na elaboração de uma coalizão em que a conjuntura contrastante começava a adquirir forma: um partido de centro-esquerda tomando decisões ao lado de uma aliança de direita ou extrema-direita.

A pluralidade na representatividade dos partidos no governo é necessária para garantir o equilíbrio de forças políticas, sejam estas de cunho mais progressista ou mais conservador. No entanto, quando essas diferenças ideológicas são agregadas numa coalizão e levadas à gestão de um país, conflitos de interesses se formam. Em um extremo, há o compromisso com uma agenda mais inflexível e, no outro, o engajamento com reformas de cunho mais liberal. Configurada a situação adversa, o resultado se torna incoerente, uma vez que lados opostos delegam decisões visando seus ideais sem que haja consenso.

A União Europeia tem o Programa de Estabilidade das contas fiscais, responsável por avaliar as projeções dos déficits de cada país participante do bloco. Estes, por sua vez, se comprometem a enviar à Comissão Europeia suas respectivas projeções fiscais para comparação e análise da situação econômica. Na Itália, o governo anterior à dissolução do parlamento apresentava um compromisso com a pauta liberal, favorável às reformas necessárias pela economia italiana para atingir o equilíbrio fiscal. Em vista disso, as projeções realizadas para a variação do déficit público eram mais coerentes com a situação da dívida pública italiana, que atualmente está acima de 130% do PIB. As projeções do déficit fiscal para 2019 margeavam valores de 0,8% do PIB, zerando até 2020 e obtendo um superávit até 2021. Em vista da magnitude da dívida pública, essa projeção não seria a mais adequada. Entretanto, traria aos eixos o rumo da dívida pública italiana, colocando-a em rota de decréscimo.

Após as eleições, o novo governo assume, engajado em alterar ações anteriormente realizadas e até mesmo em revogar medidas de cunho reformista. A nova governança italiana de coalizão, caracterizada por adversidades internas, entra em conflito com os interesses da Comissão Fiscal da União Europeia depois de divulgar sua nova projeção para o déficit fiscal: 2,4% de forma constante a partir de 2019, diferente do engajamento do antigo governo, que previa reduções frequentes até atingir um modesto superávit. No entanto, submetendo-se às pressões do Pacto de Estabilidade e Crescimento da União Europeia, que limita o déficit ao nível de 3% do PIB, o novo governo através de seu Ministro da Economia, Giovanni Tria, indicou o compromisso de reduções consecutivas do déficit fiscal. Isto posto, o atual governo comprometeu-se com diminuição no déficit ao longo dos próximos anos. Atualmente a projeção para 2019 é de 2,4% decrescendo para 2% até 2021.

O atual governo busca conduzir a economia por vias de gastos públicos e posicionamento adverso ao engajamento com reformas necessárias para a estabilidade da economia italiana. Entretanto, com o atual panorama de dívida pública que se aproxima do endividamento grego de 179% do PIB, torna-se insustentável essa forma heterodoxa de gestão econômica.

Como supracitado, tentativas ineficazes de aproximação do pleno emprego, através da elevação dos gastos públicos, geram um efeito de piora no quadro da dívida pública. Implicações de um alto endividamento são perceptíveis após a elevação do risco-país por agência como Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch Ratings. Quando isso ocorre, o efeito é de maior retorno dos títulos públicos do governo, como forma de tentar manter capital no país, visto que a possibilidade de evasão é grande. A remuneração dos títulos italianos de 10 anos encontram-se em 3,50%, enquanto os títulos emitidos pelo governo da Grécia estão perto de 4,41%. Para efeito de comparação, a remuneração na economia alemã encontra-se em 0,55%, denotando um menor risco-país, como consequência de um endividamento de 64,1% do PIB, o que garante aos investidores maior facilidade de solvência em suas obrigações financeiras, diferentemente da economia de Itália e Grécia, com possibilidade elevada de default.

Em um cenário no qual o risco-país é elevado e a perspectiva de mudanças nas classificações pelas agências de risco é incerta, há o processo de desinvestimento de capital, trazendo diversos efeitos conjunturais. Como exemplo, pode-se citar o crescimento da taxa de desemprego, que ocorre após demissões em decorrência do encerramento de algumas operações de empresas nacionais e/ou multinacionais. Quando estas assumem que o risco-país não compensa o potencial retorno, é plausível que decidam pela redução de suas atividades produtivas no país  como forma de minimizar perdas financeiras. Em decorrência, contribuem para, por exemplo, a redução da taxa de crescimento do PIB, hoje em 1,2% ao ano.

Reformas condizentes com a situação italiana requerem a atenção dos formuladores de políticas econômicas. Faz-se necessária a redução da dívida pública, a fim de conquistar maior confiança no cenário econômico global, trazer a taxa de crescimento do PIB a margens aceitáveis, recuperar o índice de confiança do país e obter um equilíbrio no nível de emprego da economia. De forma geral, esse é o panorama ideal para recuperação da economia italiana. Entretanto, o cenário difuso dentro do parlamento torna oneroso esse caminho, porque há, de um lado, o compromisso com a elevação dos gastos públicos e, do outro, o engajamento com a redução dos impostos. Evidencia-se a necessidade de ajustes econômicos, além de acertos políticos nesse cenário político desalinhado. 

 


matheusAzevedo

   Matheus Azevedo

Membro de Finanças Corporativas do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.

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