O México de López Obrador: grito pujante ou conformidade?
No que tange aos países latino-americanos, Brasil e México são os principais expoentes de uma região deveras peculiar e ambígua. Ambos são resultado de um longo processo de evolução política e articulações internas, ante a disputa de poder. Entretanto, o país da região Norte do “Novo Mundo” orgulha-se por ter uma trajetória que difere – formalmente – da dos países ao Sul.
Contrariando todas as tendências revolucionárias de seus vizinhos durante o século XX, o México é um dos poucos países latino-americanos que não sofreu alterações ásperas de Regime ou Golpes de Estado. É nesse cenário, marcado por uma aparente estabilidade, que no dia 1°de Julho de 2018, Andrés Manuel López Obrador – conhecido popularmente como AMLO – foi eleito presidente, com 53% dos votos, de acordo com o INE (Instituto Nacional Electoral).
Muito além da expressiva e inédita votação, López chega ao poder tendo boa parte da população mexicana como sustentáculo. Tal fato é alimentado pelas sucessivas decepções com os governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) e do PAN (Partido Acción Nacional), cuja regência fora inquestionável desde 1929. O ex chefe de governo do Distrito Federal mexicano carrega consigo o discurso de “autoridade moral”, sempre salientando o combate intensivo a corrupção e privilégios. Ao mesmo tempo, ao falar ao público num hotel da Cidade do México – logo após a vitória – ele foi bastante comedido, alertando que irá manter disciplina fiscal e liberdade para os empresários, ao mesmo tempo que voltará sua real atuação para os mais desamparados.
Considerando o cenário econômico mundial – ou mesmo regional – o líder eleito, que assume no dia 1° de Dezembro, terá incontáveis desafios. Em recente publicação da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), constatou-se a queda de investimentos externos na região, com uma baixa de 3,6%, no comparativo com 2016. Tal decréscimo surge como reflexo da desaceleração contínua da captação internacional, que totaliza derrocada de mais de 20% de aporte no ano de 2017, em comparação com 2011. Para a economia mexicana, a série acarretou em prejuízos na casa dos 9,9% – somente em 2017 – com maiores impactos nas indústrias química e, principalmente, de bebidas. A indústria automotiva – que outrora já fora a “menina dos olhos de ouro” dos investidores – se mantém estável perante os desafios da política do presidente dos EUA, Donald Trump.
Considerando que facilmente associa-se a imagem do MORENA (Movimiento Regeneración Nacional) aos partidos de esquerda, foi muito importante o candidato ter suavizado o mercado quanto aos inúmeros artigos e debates que cerceavam sua postura e prestígio com determinados setores da sociedade. Logo nos primeiros pronunciamentos após a vitória, López Obrador foi claro em dizer que seu mandato não será marcado “nem por confiscos, nem expropriações” e terá “respeito à liberdade”. Todavia, as recentes entrevistas de alguns de seus assessores e conselheiros acabaram causando alarde no mercado financeiro.
Durante sua campanha, AMLO teve como um dos principais expoentes de seu projeto de governo o Phd Carlos Urzua Cordero. Tido como “desconhecido” para o mercado internacional, Urzua é um acadêmico com passagens por Princeton e Georgetown. Na área pública, sua principal experiência foi ter chefiado as finanças da Cidade do México entre os anos de 2000 e 2003, no período em que López era o prefeito. Muito especula-se acerca da capacidade de Urzua lidar de maneira primorosa com um governo tido como inovador, no contexto fiscal mexicano.
Em todos os momentos que foi questionado quanto ao potencial efetivo de cumprir suas propostas de campanha – tais como: aumento de investimentos no campo social em 0,7% do PIB; políticas de diminuição das importações de petróleo, maior rigidez no combate à sonegação etc – o até então candidato sempre fora firme em defender o posicionamento de seu conselheiro. Como principal exemplo, o mesmo costumava usar seu próprio mandato frente à prefeitura da cidade mais rica do país, exemplificando seus planos de governabilidade. Durante a gestão de Urzua, a Cidade do México teve um aumento de apenas 3,3% no seu endividamento – qualificando a mesma como “exemplar” no que concerne à saúde financeira – tal fato serviria como “business card”, caso eleito. Conquanto, alguns de seus adversários argumentavam que tal diminuição das despesas não era obra do então prefeito, visto que tais medidas austeras fariam parte de um grande programa nacional comandado pelo Governo Federal.
Como citado, a questão das receitas para financiar o projeto de governo tende a se tornar um dos pontos mais sensíveis de AMLO. Todas as suas medidas de grande impacto passam pela forte ênfase de combate “aos corruptos”. Dentre os principais alvos de López, encontram-se as chamadas “cooperativas”. Por uma questão formalizada em Lei, as cooperativas fazem parte do chamado “regime de economia social” mexicano – juntamente com o setor público e privado. Apesar disso, nas palavras do futuro Ministro das Finanças, “pessoas sem escrúpulos” não podem mais usufruir da cota de privilégios que usufruem tais organizações. Segundo o mesmo, as organizações agrícolas são exemplos de sociedades que operam em regime paralelo e deveriam – por questão de justiça e arrecadação – pagar impostos como uma empresa qualquer.
Além da economia, outro debate que marcou as eleições mexicanas foi o relativo aos rumos da política externa. Durante 71 anos, o país foi comandado por presidentes do PRI (Partido Revolucionario Institucional), em período popularmente conhecido como Hegemonia Priista. Toda a estratégia e atuação internacional do país era marcada pelo forte ideário de autodeterminação e não interferência no âmbito externo dos demais países. Tal concepção viria a ser abalada apenas no “sexênio” de La Madrid – mandato do Presidente Miguel de La Madrid –, no qual buscou-se, de maneira verossímil, uma inserção maior no Sistema Internacional, incrementando a influência regional.
Outro ponto que se tornou prioritário para os líderes do país foi o monitoramento das fronteiras com os EUA, tema que, além dos termos referentes à imigração ilegal, engloba o tráfico de drogas. Desde o mandato de Vicente Fox (2000-2006), o México optou por manter crescentes aproximações com os EUA. Tal medida desvencilhava-se da conhecida “Doutrina Estrada”, através do desenvolvimento da “Doutrina Castañeda”, idealizada por Jorge Castañeda Gutman. Muito além de uma suposta mudança no eixo ideológico – motivo de debate, visto que muito especula-se sobre o quanto o fator “ideologia” faz-se influente na política externa Mexicana – tal ato foi fundamental para manter os laços com a potência global vizinha, principalmente após o trágico ano de 2001.
O fato é que, apesar do intenso combate – usando de Forças Militares, inclusive – iniciado há pouco mais de uma década, os dados não demonstram quaisquer sinais de contração nas atividades ilícitas. A Iniciativa Mérida – maior cooperação militar entre EUA e México da história – mostrou-se ineficiente no combate às drogas. Agora, muito além de cumprir suas promessas de campanha – que incluíam o fim do uso das Forças Armadas – AMLO chega com o dever de reduzir as importações de petróleo, visto que, em suas recentes entrevistas após eleito, promete acabar com a importação do material refinado em, no máximo, 3 anos.
Uniformemente, a influência chinesa na região intriga os analistas. Nos últimos anos, acordos como o TPP (Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica) foram importantes para o desenvolvimento da economia local – principalmente quando observa-se que as exportações para os EUA representam mais de 80% do total. Porém, acabaram por ter de lidar com a influência do fator Donald Trump. Os norte-americanos buscaram minar a influência oriental desde o fim dos anos 90, através de aproximações comerciais. Contudo, com o país tendo firmado cada vez mais acordos bilaterais, sabe-se o efeito de um eventual governo com diplomacia intensiva.
Percebendo as expectativas criadas em torno do novo governo, conclui-se que AMLO – ou simplesmente López – tornou-se uma incógnita nas últimas semanas. Se, em alguns momentos, seu discurso assume fortemente os estereótipos revolucionários de esquerda, em outros o futuro mandatário se mostra pacato e disposto a fazer um governo transitório, voltado principalmente para “os mais desamparados”, como repetiu constantemente.
José Wellington
Membro de Análise Macroeconômica do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.