Argentina, uma mistura de desastres econômicos e políticos
As crises cambiais sempre estiveram presentes no histórico da longa caminhada das economias mundiais. Podem ser classificadas até como usuais. O próprio Brasil já passou por diversas crises, desde 1933. Assim como México, países do leste asiático e Rússia. A Alemanha chegou a ter, talvez, a pior inflação da história após a primeira e segunda guerras mundiais, quando um pão custava 428 milhões de marcos (moeda da época). As instabilidades não fazem parte apenas do século XX. A Espanha, na época colonial, também mostrou como esse desequilíbrio no câmbio é perverso. Em 1750, após diversos fatores, mas principalmente devido à escassez nas principais minas de prata de propriedade espanhola, como a de Potosí, na Bolívia, houve um desequilíbrio cambial, e a então poderosa Espanha iniciou sua derrocada.
Essa introdução mostra como as crises têm influência na história e cita alguns fatores que as provocaram. Assim, o colapso na economia argentina não é exclusividade. Acontecimentos recentes, como o aumento da taxa de juros nos EUA no dia 21 de março, ajudaram o peso argentino a se desvalorizar mais de 9% em uma semana. Com isso, o banco central argentino foi obrigado a aumentar sua taxa de juros básica de 27% para 40% em uma semana, por conta dessa queda brusca de valor de sua moeda nativa.
Em parte, diante de todo o contexto macroeconômico, como o aumento da taxa de juros dos EUA, as sanções sobre o Irã e outros fatores que afetam negativamente economias emergentes como Brasil, México, Argentina, nenhum país foi mais afetado que o último. Nenhuma economia está preparada para contratempos como esses, mas a Argentina estava muito desorganizada. Uma dívida em 5% do PIB, inflação chegando na casa de 25% ao ano e déficit externo avaliado em cerca de US$ 233 bilhões, o que coloca sua dívida total em 64% denominada em dólar, são alguns dados que mostram como a Casa Rosada estava altamente fragilizada e suscetível à crise.
Além de a economia estar mal, a política também passa por momentos delicados. Após a vitória de Maurício Macri nas eleições em 2015, o governo alterna “paz” e “tormenta” com o povo. Atualmente, por causa da crise do peso e de propostas como a da Reforma da Previdência, o povo está protestando nas ruas, piorando a crise do Estado. Além disso, o antigo governo populista, de Cristina Kirchner, criava políticas fiscais e maquiava a economia. Os “Kirchners” criaram um déficit enorme para o país através de subsídios fiscais, controles de preços e criação de “dinheiro fácil”, fazendo com que a inflação chegasse a casa dos 40%. Com isso, Cristina Kirchner entregou o país com a economia deteriorada a seu sucessor. Macri, candidato preferido pelo mercado por seus ideais “liberais”, tenta agora diminuir esse déficit. Porém, enfrenta dificuldades macroeconômicas e uma baixa aprovação de seu mandato, com o aval de apenas 25,9% da população. Cristina Kirchner tinha cerca de 50% de aprovação.
Tudo começou no fim do ano passado, quando o Banco Central da República Argentina (BCRA) flexibilizou seu esquema de metas de inflação, medida que foi vista como perda de independência da instituição. Com isso, reduziu sua taxa de juros, levando muitos investidores que tinham comprado as Lebacs (letras do BC argentino) a venderem os papéis, o que aumentou ainda mais a pressão sobre o dólar. O governo ainda piorou a situação aplicando um tributo sobre operações financeiras de estrangeiros no país, medida que multiplicou a venda de Lebacs em mãos de investidores externos.
Nesse cenário, o BCRA se viu obrigado a vender parte de suas reservas, mais de US$ 7 bilhões desde o começo deste ano, para conter a valorização do dólar. Para agravar, os problemas domésticos aumentaram com ações da oposição no Congresso, onde Macri não tem maioria. Isso deixa a Argentina praticamente fora do mercado, em situação de difícil recuperação, já que, para financiar-se em dólares, deveria pagar taxas de juros muito elevadas, justamente pela falta de confiança no país.
Assim, o país está recorrendo ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para pedir ajuda. Porém, a tarefa não será nada fácil. Por conta de seu histórico de calotes (8 vezes em 200 anos de história, sendo os mais recentes calotes em 2001 e 2014), o FMI pode se recusar a ajudar. Sem perspectiva para retomada, a nação carece de confiança, fazendo com que o Fundo tenha um pé atrás antes de emprestar. Na melhor perspectiva de apoio, poderá fazer duras exigências, econômicas e monetárias, para que o Estado cumpra as regras impostas pelo credor internacional.
Em síntese, a Argentina está fragilizada não só economicamente, mas politicamente. São muitas as variáveis que precisam mudar para que ela volte a ser uma economia em crescimento. Com a saída de investidores, por conta do alto risco, a crise pode se agravar e, até, refletir no Brasil (setor automobilístico, por exemplo, visto que o país importa e exporta muito da Argentina). Tudo isso põe em xeque a reeleição de Macri, ameaçado pelos opositores. Na economia, os investidores partilham incertezas quanto à retomada, visto o déficit da nação. Com isso, a Argentina fica sem saber o que fazer e como irá retomar sua economia, que, um dia, já foi considerada a quinta maior do mundo.
Marcelo Lopez
Membro de finanças corporativas do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.