Declaração de Panmunjom: Resolução ou encenação?
Frente ao aparente mar de incertezas políticas que o autoritarismo de Kim Jong Un proporcionou nos últimos anos, surge um lampejo de flexibilidade por parte do ditador. No último dia 27 de abril, ocorreu a primeira cúpula intercoreana em 11 anos, após a de Pyongyang em 2007, entre o então líder do Norte, Kim Jong-il, e os líderes do Sul, Kim Dae-jung e Roh Moo-hyun. Em meio à temática de busca pela solução de conflitos na península – já que não houve um tratado de paz desde o término da Guerra das Coreias, em 1953 – não foi concretizado um desfecho para as tensões nas poucas horas reservadas ao encontro histórico entre os líderes de ambos os países, mas ainda assim foi dado um importante passo nesse processo, refletindo a atual dinâmica diplomática global capaz de gerar resultados mais sólidos em um futuro próximo.
Por meio de um cronograma minuciosamente estruturado, o encontro entre o ditador norte-coreano e Moon Jae-In, presidente sul-coreano, foi repleto de procedimentos simbólicos, que serviram para ressaltar a importância do acontecimento. Kim Jong-un percorreu a pé a fronteira que separa os dois países e, com Moon, plantou uma árvore, em tese o símbolo do nascimento de uma suposta era de paz e prosperidade. Depois da cerimônia, os líderes discutiram brevemente sobre o comprometimento mútuo em prol da conquista da paz.
Após o encontro, Moon e Kim emitiram um comunicado conjunto, a Declaração de Panmunjom, em que há a afirmação oficial de que “Coreia do Sul e Coreia do Norte confirmam o objetivo comum de obter, por meio da desnuclearização total, uma península coreana não nuclear”. Tal ideia está em consonância com a realização de possíveis reuniões que envolvam também os EUA e a China, de modo a consolidar uma estabilidade que seja de fato definitiva.
Vale ressaltar que Kim, cujo país é constantemente acusado de violar os direitos humanos, já vinha fornecendo indícios de que a Coreia do Norte poderia considerar interromper as utilizações de suas armas nucleares com o anúncio do fechamento de sua única base de testes nucleares conhecida, mas, em nenhum momento, havia deixado claras as exigências que seriam feitas em troca do desarme. Por mais que seja permeada de indefinições, essa perspectiva é notável, tendo em vista que há poucos meses a porção coreana sob a jurisdição do ditador prosseguia com seus testes de mísseis, acirrando tensões com os EUA e um frequente clima de ameaças.
Entretanto, em meio à recente onda pacifista coreana, apresenta-se como indubitável a existência de uma pergunta que ainda assombra o cenário político global. Até que ponto as promessas feitas pela Coreia do Norte serão cumpridas?
Com uma breve análise das promessas que já tinham sido realizadas no passado pelo governo norte-coreano, torna-se evidente que algumas delas não chegaram nem perto de serem concretizadas. Desta vez, aliado ao suposto comprometimento de Kim Jong-un em não repetir o histórico de desrespeito aos acordos, há ainda um fator de suma importância que pode assegurar que sua palavra tenha algum valor. Tal realidade está ligada à relevância que a pressão aplicada pela comunidade internacional sobre a Coreia do Norte exerce, já que seguem sendo impostas sanções políticas e econômicas pelo Conselho de Segurança da ONU, como a aplicada em setembro de 2017, que baniu as exportações norte-coreanas de minério de ferro, pescado, têxteis e de carvão, envolvendo 90% das exportações do país em dólares.
Somado a isso, em fevereiro de 2018, os EUA também impuseram novas medidas punitivas. O governo de Donald Trump declarou que bloquearia 56 cargueiros que, supostamente, estariam fazendo o transporte de petróleo e outros produtos para a Coreia do Norte.
O referido cenário acaba por indicar de maneira implícita aquela que pode ser a principal justificativa para a mudança radical da postura do ditador norte-coreano: os entraves gerados por essas sanções que dificultam ainda mais que o governo de Kim prejudicam a imagem mitológica de perfeição que ele tanto propaga sobre si para seus nacionais.
As preocupações de Kim quanto ao desenvolvimento de seu próprio país nos moldes daquilo que defende desde 2011, momento em que chegou ao poder, ficaram ainda mais evidentes quando disse ao presidente sul-coreano que uma visita ao Norte “seria muito constrangedora”. De fato, as discrepâncias internas entre os dois países demonstram que muito precisa ser feito para que ocorra uma melhora significativa nas condições de vida dos habitantes da Coreia do Norte, onde a grande maioria tem a vida marcada pelo medo constante e incessante do controle governamental, referente ao estado permanente de vigília.
Vale ressaltar que a cúpula intercoreana precede um encontro considerado por muitos como ainda mais importante. Em maio, Trump e Kim Jong-un se reunirão para discutir os rumos a serem tomados quanto ao referido processo de desnuclearização da península da Coreia.
Em face da presente situação diplomática coreana, torna-se essencial que a trégua estabelecida pela recente Declaração de Panmunjom seja transformada em um efetivo tratado de paz entre as Coreias, já que, tecnicamente, ainda há guerra. Além do estabelecimento de relações políticas mais saudáveis, diversos poderão ser os reflexos positivos proporcionados por essa relativização do isolamento do regime norte-coreano. Nota-se, por exemplo, que as bolsas da Ásia fecharam em alta na última sexta de abril, dia 27, consequência direta do otimismo gerado pela cúpula intercoreana.
Nickolas Farias
Membro de jurídico e comercial do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.