O caso Sergei Skripal: reflexos sobre a dinâmica diplomática global
Em meio ao enfraquecimento do modelo econômico fundamentado no petróleo, fator de suma importância para a expansão da receita russa entre 2000 e 2013, o país comandado por Vladimir Putin enfrenta uma intensa crise diplomática com o Ocidente. No dia 6 de março, Sergei Skripal, de 66 anos, e sua filha Yulia, de 33 anos, sofreram contaminação com gás tóxico na cidade britânica de Salisbury. As peculiaridades do caso se encontram nos seguintes fatos: Sergei era um ex-espião duplo russo e a substância tóxica da ocorrência foi identificada como “novichok”, também de origem russa.
Após efetuar suas atividades enquanto membro da inteligência militar da Rússia, Sergei foi condenado a 13 anos de prisão por alta traição, em virtude de ter sido acusado de vender segredos ao MI6, agência inglesa que fornece informações estrangeiras ao governo. Com o cumprimento de 4 anos de sentença, ele foi inserido em um programa de troca de prisioneiros com os EUA e Reino Unido. Por meio da referida operação houve o retorno de 10 espiões russos anteriormente detidos pelos norte-americanos e o consequente envio de Sergei a terras britânicas.
Embora a vida de Sergei Skripal no Reino Unido fosse aparentemente normal, especula-se que ele continuava a trabalhar com o governo britânico na medida em que concedia segredos relacionados ao modo de atuação e de infiltração russa no Ocidente. Pessoas próximas ao agente afirmavam que, mesmo com um discurso otimista com relação à possibilidade de segurança que a chegada à Inglaterra o proporcionaria, ele seguia tendo que enfrentar o constante medo de ameaças e a instabilidade que sua profissão gerara. Sua família negava veementemente uma participação na MI6 e afirmava que o patriotismo era uma das bases de seu caráter.
Apresenta-se, portanto, um inevitável questionamento. Quem seria o real responsável pelo envenenamento de Sergei Skripal e sua filha, encontrados inconscientes em um banco da catedral de Salisbury e posteriormente levados ao hospital onde permanecem em estado crítico?
Por mais que a embaixada russa tenha declarado estar “preocupada” com o caso e com a atual demonização do país, muitos seguem acreditando na tese de que o culpado já foi encontrado. Aparentemente, a Grã-Bretanha recebeu o apoio de Estados Unidos, França e Alemanha naquilo que se relaciona à condenação do ataque, havendo ainda a perpetuação da ideia de que a Rússia teria sido o epicentro do ocorrido. Tal fato configuraria uma ameaça à soberania inglesa, em um notório afrontamento à Convenção para a Proibição de Armas Químicas.
Como represália, Theresa May, primeira-ministra britânica, anunciou que medidas imediatas seriam tomadas, de modo a enfraquecer o sistema de espionagem russo na região. Dentre as referidas ações, encontram-se a expulsão de 23 diplomatas russos e a suspensão de encontros políticos que seriam realizados entre as duas potências. Tal mando não ocorria desde a Guerra Fria, quando a Inglaterra expulsou 90 diplomatas vindos da URSS, também acusados de serem espiões. Somado a isso, nenhum representante do governo inglês ou da família real estará presente na realização da Copa do Mundo da Rússia.
Em retaliação, Sergei Lavrov, ministro de Relações Exteriores russo, declarou no dia 16 de março que a Rússia expulsaria diplomatas britânicos do país. O Kremlin afirmou que considera as diretrizes estabelecidas pelos britânicos extremamente precipitadas e incabíveis, tendo em vista que a autoria do ataque e a existência de um programa de armas químicas “Novichok” continuam a serem negadas.
Além disso, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou no dia 15 de março que começaria a realizar um conjunto de sanções contrárias aos interesses das entidades russas devido à interferência de Moscou no processo de campanha presidencial dos EUA em 2016 e à efetuação de ataques cibernéticos russos. Como resultado, a Rússia irá expandir o quantitativo de americanos em “lista negra” e as sanções, como afirmou o vice-ministro de Relações Exteriores do país, Sergei Ryabkov.
Vale ressaltar que, em meio a todas essas turbulências, Putin consolida sua imagem como líder supostamente capaz de enfrentar a Europa e os EUA. Ajudado pelo populismo patriótico de sua gestão, Putin conquistou aproximadamente 76,7% dos votos, garantindo, assim, mais um mandato no último domingo, dia 18, quando os cidadãos do país foram às urnas.
Em face dessa realidade, torna-se evidente a necessidade de negociações políticas mais contundentes e menos agressivas pelas partes envolvidas nesse cenário de instabilidade diplomática. O favorecimento do debate em detrimento da prática de simples ações unilaterais será fundamental para a resolução da problemática.
Nickolas Farias
Membro de jurídico e comercial do CEMEC, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.