O impacto chinês no financiamento da dívida dos EUA
Na semana passada, uma reportagem de alcance global divulgou que alguns funcionários ligados ao governo chinês estariam recomendando uma diminuição ou, até mesmo, uma paralisação da compra de títulos soberanos dos Estados Unidos. Tal assunto é de extrema delicadeza, devido às consequências que pode gerar na economia norte-americana e, dada sua importância para outros países, no resto do mundo.
Entretanto, antes de explicar tais consequências, torna-se importante mencionar as possíveis razões pelas quais a China poderia estar inclinada a realizar tal ato. Desde que o presidente estadunidense, Donald Trump, foi eleito, uma série de críticas foi realizada ao governo chinês. Ainda durante a campanha eleitoral, Trump chegou, diversas vezes, a afirmar que em seu governo trabalharia para reduzir o déficit comercial existente entre EUA e China, acusando, inclusive, o governo chinês de enfraquecer propositalmente sua moeda, o yuan, para facilitar as exportações.
Além disso, algumas tensões sobre o mar do Sul da China trouxeram novos problemas envolvendo os dois países, uma vez que os chineses reivindicavam tal local como propriedade chinesa, e Trump, por sua vez, afirmava que eram águas internacionais. Alguns membros do governo norte-americano chegaram a dizer, na época, que em alguns anos tal motivo poderia incentivar o início de um conflito militar entre as duas maiores potências econômicas em questão.
Após a primeira reunião entre Trump e Xi Jinping, presidente chinês, um alívio em tais tensões foi observado, porém, após crescentes ameaças da Coreia do Norte aos EUA, o alerta norte-americano se manteve ligado em relação à China, uma vez que esta é a principal parceira comercial do país isolado economicamente. Nesse cenário, o próprio Trump chegou a cobrar da China posições mais rígidas em relação aos norte-coreanos, desgastando ainda mais a relação entre os países.
Diante desses fatos, algumas fontes extraoficiais afirmaram que os imbróglios envolvendo EUA e China poderiam ser fatores que estivessem impulsionando a decisão de interromper ou, ao menos, reduzir a compra de dívida soberana dos Estados Unidos. Apesar de tal tese não ser confirmada, muitos a veem como válida, dado o histórico observado entre os países desde o início de 2017. A outra justificativa é de que o governo chinês não estaria tão atraído pela dívida norte-americana, podendo investir em outros ativos, considerados mais atrativos neste momento.
O grande problema de tal questão é que, nos últimos anos, a China foi um grande player no mercado mundial, ocupando, na maior parte do tempo, o posto de maior financiador da dívida estadunidense. Contudo, no final de 2016, a China perdeu espaço, fazendo com que o Japão se tornasse o maior investidor em dívida pública norte-americana. Uma das justificativas de analistas, na época, foi a de que a China estava se desfazendo de sua carteira composta por títulos dos EUA no intuito de sustentar o yuan, após significativa desvalorização da moeda em relação ao dólar (proposital na opinião de Trump, como já mencionado).
Tal atitude estaria sendo tomada por uma mudança de estratégia chinesa, que havia decidido focar mais no cenário interno, com medo de medidas protecionistas que poderiam ser tomadas por Trump, que acabariam dificultando o processo de entrada de produtos chineses nos EUA.
Ainda nessa época, outros países também se encontravam reticentes em relação a investir em títulos norte-americanos. A preocupação com a crescente dívida do país era vista como o principal fator, além de incertezas políticas internas que também atrapalhavam a expectativa de tais investidores. Um conjunto de fatores internos, inclusive um aumento nos juros, defendido por Janet Yellen, presidente do Fed, passavam a sensação de que o mercado de títulos norte-americano não era tão seguro quanto antes.
Meses depois, em junho de 2017, a China comprou US$ 44,3 bilhões em títulos do Tesouro estadunidense, a maior compra desde junho de 2011, e o Japão continuou a reduzir seus investimentos, em virtude dos motivos citados. Assim, os chineses recuperaram o posto de maior investidor em dívida dos EUA, que, atualmente, já ultrapassa 106,5% do PIB.
Diante disso, torna-se perceptível a importância de tais compras chinesas para o governo norte-americano, que vem observando, nos últimos anos, uma necessidade crescente de financiamento, justificando o aumento de sua dívida.
Dessa forma, a partir do momento em que se aventou a possibilidade de interrupção de investimento chinês em títulos soberanos dos EUA, a percepção de risco em relação à maior economia do mundo aumentou. No mesmo dia, os rendimentos do Tesouro a 10 anos, que já vinham em movimento crescente, atingiram um pico de 2,597%, valor mais alto desde março do ano passado. O dólar também oscilou perante uma cesta de moedas.
Atualmente, as estimativas de analistas são de aumento para os rendimentos, de tal forma que tal notícia acabou por agravar ainda mais tais estimativas, que na opinião revisada de alguns estrategistas, poderiam aumentar mais do que o esperado inicialmente e ultrapassar, assim, a faixa de 3%.
O momento para a divulgação dessa possibilidade se torna ainda mais crítico em virtude do fato de o governo norte-americano estar se preparando para aumentar sua oferta de dívida no mercado. Isso porque, de acordo com o Departamento do Tesouro do país, as necessidades de empréstimos aumentarão em virtude do anúncio realizado, no ano passado, pelo Federal Reserve (Fed), de que reduziria seu balanço patrimonial.
Analisando também a aprovação da reforma tributária no país e relacionando-a ao assunto em questão, pode-se concluir que, para a próxima década, a necessidade de financiamento dos EUA deve continuar aumentando. Tal afirmativa é justificada, em especial, pelo fato de algumas pesquisas iniciais mostrarem que os cortes nos impostos não serão compensados da forma como Trump espera, gerando, possivelmente, um aumento significativo no déficit público.
Com isso, uma paralisação nas aquisições chinesas ou até mesmo venda dos títulos já adquiridos acabariam por ter um impacto significativo na economia norte-americana e na percepção de risco envolvendo o país. Muitos vêem a relação entre os dois países como mutualística, onde os dois se beneficiam, mas outros acreditam que tal paralisação traria muito mais prejuízos aos Estados Unidos do que à China, uma vez que esta poderia realmente diversificar seus investimentos em outros lugares do mundo, como, por exemplo, países europeus.
Vale ressaltar, contudo, que a China, por meio de seu regulador cambial, afirmou que as informações eram falsas e que o país não pretendia reduzir a quantidade de títulos da dívida norte-americana em suas mãos. Ainda assim, em virtude dos motivos mencionados no decorrer do texto, muitos ainda mantém uma visão receosa quanto ao assunto, achando provável que, futuramente, isso venha a acontecer, frustrando algumas expectativas e necessidades do governo estadunidense. Enquanto não ocorre, o mercado se segura em suposições e ajusta suas projeções para os futuros de ambas as nações.
Pedro Guerra
Estudante de Economia do IBMEC. Membro da área de Análise Macroeconômica do Cemec, empresa júnior vinculada ao IBMEC, que tem como proposta principal realizar estudos e pesquisas sobre o mercado financeiro.
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