A reforma tributária dos EUA: aspectos políticos e econômicos
O presidente dos EUA, Donald Trump, conseguiu sua primeira grande vitória legislativa, depois de mais de 330 dias desde que assumiu a presidência, com a aprovação da reforma tributária nacional na sexta-feira, dia 22 de novembro. Apesar de a reforma cobrir diversas áreas, como remoção de penalidades do programa de plano de saúde do ex-presidente Barack Obama (Affordable Care Act ou Obamacare), dedução de juros hipotecários e em despesas médicas, entre outros, o enfoque ficou na redução de impostos cobrados a empresas e indivíduos.
Embora os republicanos tenham elaborado tal reestruturação, houve mudanças significativas entre o proposto inicialmente pela Câmara e o Senado, sendo o texto aprovado pelo Congresso posteriormente. As principais diferenças foram em relação a imposto de renda, crédito familiar, taxação internacional e Obamacare.
A orientação da Câmara era diminuir o número de classes de imposto de renda, de forma que passasse a ter apenas 4, em vez de 7. Todavia, o Senado desejou manter a quantidade de grupos, mas com taxas menores, com exceção a mínima de 10%. Vale observar que a crítica de que pessoas de renda média seriam prejudicadas começou neste ponto, de modo que se encaixaria em classes nas quais os impostos cobrados seriam maiores, enquanto indivíduos de alta renda conseguiriam pagar menos. Visando diminuir a desigualdade que a primeira proposta causaria, o Senado indicou a manutenção do número de classes, mas a redução da porcentagem (como mencionado anteriormente). Ambos os planos visavam aumentar o crédito para famílias com e sem filhos. A diferença estaria no montante. Em suma, o Senado propôs uma quantia maior para o crédito familiar em relação à Câmara.
Até então, as cobranças internacionais eram relacionadas ao lucro corporativo ao redor do mundo, que poderia ser diferido dos impostos pagos em outros lugares. Tanto a Câmara quanto o Senado apresentaram propostas diferentes, porém similares. Em ambos, tal imposto seria voltado para o sistema territorial, taxando apenas lucros domésticos. Todavia, a Câmara propôs 10% de imposto mínimo e 20% de exercício de certas transações de subsidiárias internacionais. Já no Senado, os 10% mínimos englobariam retornos de ativos intangíveis e haveria porcentagem igual para os exercícios supracitados.
Mesmo não tendo removido o Obamacare (algo almejado por Trump), o presidente dos EUA declarou certa vitória. Isto porque a Câmara não tinha planos para alterar o programa, mas o Senado sim. Dessa forma, a reforma assinada por Trump continha a remoção das multas a indivíduos que não possuem um plano de saúde. Com isso, espera-se que a demanda por planos tipo premium cresça.
Entretanto, algumas mudanças foram mantidas, como, por exemplo, a redução imediata do imposto cobrado a empresas, de 35% para 21%, e aumento na dedução padrão para indivíduos e casais em US$12 mil e US$24 mil, respectivamente, quase dobrando a quantia.
Com o objetivo declarado de diminuir os impostos cobrados para promover mais empregos e aquecer a economia, Trump assinou a reforma tributária, a qual passou pelo Senado e pela Câmara, cortando cerca de US$ 1,5 trilhão em arrecadação pela década seguinte. Todavia, houve bastante crítica sobre a mesma, uma vez que acredita-se que seus benefícios serão maiores para as empresas e para indivíduos com maiores rendas. Além disso, a lei também impõe novos limites para deduções (exemplificadas anteriormente) usadas em estados com muita tributação e com alto valor de residência, implicando num imposto maior para algumas pessoas dessas regiões.
Por outro lado, a redução de 35% para 21% de imposto cobrado a empresas faz com que firmas internacionais, como a New England Patriots do Reino Unido, queiram instalar filiais nos EUA. Desse modo, Trump afirmou que pelo menos US$ 4 trilhões em dinheiro estrangeiro ingressará no país como resultado da reforma. Já a Boeing destinará US$300 milhões em treinamento de funcionários, e a AT&T disse que distribuirá US$1 mil de bônus para seus 200 mil funcionários em celebração.
Em relação à cobrança a indivíduos, a estrutura permanece a mesma de sete classes, porém, com taxas menores. Diferentemente do corte para empresas, pessoas físicas terão esta redução tributária temporariamente, de modo que dar-se-á início em 2018 com término em 2026. Além disso, haverá aumento no crédito familiar e mudança do medidor de inflação. Neste último caso, haverá abandono do CPI-U (Índice de Preços ao Consumidor Urbano em inglês) e adotar-se-á o CPI-U ponderado, o qual leva em consideração hábitos de consumo e tende a crescer mais devagar do que o primeiro. Entretanto, não há previsão para tal mudança ser revertida.
Lembrando que o objetivo dos republicanos é diminuir impostos para aumentar o nível de emprego e salários reais e, consequentemente, aquecer a economia, vale destacar que a taxa de desemprego dos EUA em dezembro foi de 4,1%. Tal porcentagem encontra-se em um patamar bem próximo ao que se acredita ser a taxa de desemprego natural, ou seja, quando desempregados são os que ou não querem trabalhar, ou estão em período de transição entre um emprego e outro. Economistas acreditam que a estratégia de Trump em promover maior número de empregos poderia superaquecer a economia, de modo que não valeria a pena tal risco.
Outro ponto abordado é a questão do déficit orçamentário. Com o corte de US$ 1,5 trilhão em arrecadação, o governo teria problemas em cobrir a estimativa de déficit para o ano que vem em US$ 440 bilhões, tendo em vista o deste ano, em US$ 666 bilhões. Em resposta, Trump afirmou que, com empresas estrangeiras adentrando no país e com o aquecimento da economia, seria possível suprir o orçamento deficitário.
Além disso, a vitória de Trump na reforma tributária poderia interferir negativamente em outra promessa de sua campanha. O déficit comercial foi algo altamente criticado pelo atual presidente, que chegou a tecer comentários danosos a, por exemplo, Xi Jinping, presidente da China. Isso porque, de acordo com economistas, com pessoas físicas e jurídicas com mais dinheiro, espera-se um aumento na importação de bens e serviços. Outrossim, as exportações poderiam ser prejudicadas, caso o dólar americano valorize frente à maioria das moedas internacionais devido ao crescimento econômico mais acelerado, distribuição de lucros corporativos do exterior e taxas de juros maiores.
Vale ressaltar que não houve membros do partido Democrata adeptos à reforma, de modo que a mesma se tornou unipartidária, abafando, de certo modo, ideais dos democratas. Fora isso, Trump teve dificuldade em negociar com republicanos, pois há ceticismo até entre seus aliados quanto à reforma pelos motivos supracitados.
Trump ainda falou que sua reforma seria a maior reestruturação da história dos EUA, um corte maior do que o ex-presidente Ronald Reagan fez na década de 1980. Todavia, muitos a comparam com a reforma de 1981, criticada por cortes fiscais irresponsáveis no imposto de renda sobre pessoas físicas e jurídicas, diferentemente da remodelação de 1986, que teve um processo mais amplo e bipartidário. Tudo isso traz um cenário de incerteza ainda maior quanto ao projeto de Trump.
Filipe Merian
Membro de Análise Macroeconômica do CEMEC (Centro de Estudos de Mercado de Capitais)