As eleições alemãs em meio à incerteza global
Em um cenário de tensões mundiais, a Alemanha, considerada a maior economia da União Europeia, fará sua eleição parlamentar no próximo domingo, dia 24 de setembro. Como o país tem grande representatividade na zona do euro, é deveras importante entender quem será o chanceler e quais são suas visões e objetivos para com a nação, o bloco e o mundo.
O sistema eleitoral alemão é considerado por muitos um dos mais complicados e um dos mais justos através de uma combinação de dois votos: distrital e proporcional. Dessa forma, os cidadãos, com seu primeiro voto, decidem diretamente os representantes locais que ocuparão assentos no parlamento. No segundo, escolhem o partido, cujos assentos são alocados proporcionalmente de acordo com a quantidade de votos recebidos, desde que sejam auferidos 5% destes ou mais. Levando em conta o eleitorado do segundo voto, os contingentes são preenchidos a partir de listas de partidos. Às vezes, por causa de tais listas, um partido pode ganhar mais representantes do que tem direito e, para compensar, as outras partes recebem assentos extras. Logo, o Bundestag (parlamento alemão), teoricamente composto por 598 representantes, pode chegar a 800. Depois de alianças serem formadas, o que pode durar meses, o presidente da Alemanha nomeia o chanceler – que costuma ser o líder do maior partido – confirmado por votação secreta no parlamento.
Com doze anos no poder, a atual chanceler, Angela Merkel, do partido de centro-direita União Democrata Cristã (CDU), é a que tem mais intenções de voto (39%). Apesar de sua popularidade ter caído em 2015, com a abertura das portas da Alemanha para imigrantes refugiados, o crescimento econômico e a taxa de desemprego na metade dos níveis observados em 2005, quando Merkel assumiu o poder, transformaram-na em um símbolo de estabilização. Todavia, Merkel afirmou em discurso que tal fluxo migratório não poderia ocorrer novamente. Juntamente com o presidente francês, Emmanuel Macron, ela apoia maior integração com a União Europeia e a ampliação do papel da Alemanha em discussões mundiais, além de concordar com o desejo da OTAN e do presidente americano, Donald Trump, em aumentar gastos com defesa para 2% do PIB.
Outro grande partido é o Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, liderado por Martin Schulz com 23% das intenções de voto. Seu foco sempre foi em políticas sociais, advogando distribuição de renda e justiça social, com o apoio a melhorias em infraestrutura. Diferentemente de Merkel, Schulz é contrário ao pedido da OTAN e dos EUA sobre o aumento de gastos de defesa mencionado anteriormente. Além disso, como o CDU possuiria (de acordo com pesquisas eleitorais) menos de 51% no parlamento, uma coalizão entre os dois partidos possibilitaria tal maioria, como é o atual governo. Mas, já foi declarado por ambos os lados de que tal coalizão não ocorreria por divergências políticas.
Estima-se que quatro partidos pequenos cruzem o marco de 5% e terão assento proporcional no Bundestag. Entre eles, o Partido de Esquerda (10% das intenções de voto) é considerado um radical esquerdista e a maior oposição ao atual governo. Deseja implementação de regulações mais rigorosas ao mercado e aumento do salário mínimo, além de rejeitar missões militares estrangeiras e querer que a OTAN seja dissolvida. Vale ressaltar que o Esquerda nunca fez aliança em níveis nacionais.
O Partido Verde (8% das intenções de voto), apesar de focar em meio ambiente e sustentabilidade, também tentou implementar uma agenda de esquerda sobre políticas fiscais e sociais. Sem êxito nas últimas eleições, muitos esperam que tome abordagens mais centrais, com perspectivas de uma coalizão com o CDU.
Com expectativa de receber 10% dos votos, o Partido Democrata Livre (Free Democratic Party – FDP) firmou aliança com Merkel em seu segundo mandato, mas falhou em conseguir 5% dos votos em 2013. Liderado por Christian Lindner, seu programa é baseado nos princípios de liberdade individual e direitos civis, além de maiores cortes em impostos. Assim como o CDU, apoia maiores laços com a União Europeia.
Aparentemente, o partido Alternativa para Alemanha (Alternative for Germany – AfD) ganhará assento no parlamento pela primeira vez. Nacionalista, o partido apoia o Brexit (separação entre o Reino Unido e a União Europeia) e os ideais de Donald Trump. Ganhou bastante força a partir da preocupação da população com ataques terroristas pela Europa, já que se apoia em princípios anti-imigração e anti-Islã. Defende também a saída da Alemanha da zona do euro, deportação imediata de refugiados políticos e incentivo aos estrangeiros para que voltem aos seus países de origem. Questiona, inclusive, o fato de a mudança climática ser causada por humanos e deseja reverter a transição para energia renovável no país.
As pesquisas apontam que a questão não é SE Angela Merkel (CDU) vencerá as eleições, mas com quem fará coalizão. Preferencialmente, o CDU é favorável a uma aliança com o FDP, parceria que governou o país por dezesseis anos durante o mandato de Helmut Kohl. Todavia, tal fusão não atingiria a maioria no Bundestag. Por questões políticas e ideológicas, muitos esperam que o CDU se alie com o SPD (obtendo 62% do parlamento). Mas, como mencionado, tal trato aparenta ser o último recurso para ambos. Portanto, expectativas seguem para um pacto entre três partidos: CDU, FDP e Verde (atingindo 57% do parlamento). Obviamente, a população poderá surpreender e apresentar resultados diferentes, mudando esse cenário.
Filipe Merian
Membro de Análise Macroeconômica do CEMEC (Centro de Estudos de Mercado de Capitais)