A “BODEBRÁS”
Nosso país, por uma série de motivos (inclusive históricos), tem um mau hábito de criar empresas estatais ou de “estatizar” serviços. A mais recente demonstração dessa “mania” tupiniquim deu-se em relação à votação na Câmara dos Deputados, quando a pauta era a legalização dos aplicativos de transporte, como o Uber.
O Estado brasileiro está na penúria. A recessão no biênio 2105/16, de quase 8%, afetou dramaticamente a arrecadação de tributos, para baixo. Como as despesas, mormente relativas à previdência, não pararam de crescer, o déficit público virou uma bomba de retardo: se não for desarmada (rapidamente) vai explodir no colo das gerações futuras. Sem contar a rubrica de juros, a magnitude do rombo das contas é da ordem de R$ 150 bilhões, e o nível de endividamento do país já representa mais de 70% do PIB.
Sob esse olhar, precisamos reverter essa figura. Para tal, a proposta de reforma da previdência, enviada pelo governo ao Congresso Nacional, se torna absolutamente imperativa. Não há como tergiversar. Não podemos aceitar um Frankenstein, que a descaracterize por completo. Atualmente, mais da metade do que o governo gasta tem a ver com previdência, e o número é crescente.
O projeto (PEC) enviado aos congressistas tem regras importantes e que não deveriam ser alteradas (como idade mínima, regras de transição, equidade), sob pena de reduzir seu potencial. O problema é que, nas últimas semanas, o relator da reforma na Câmara sinalizou que “do jeito que está, não passa”. Nesse sentido, o governo começou a “ceder”, como no caso da sugestão de retirar servidores estaduais (professores, policiais, bombeiros) da regra geral. Assim, os estados ficariam responsáveis por promoverem suas próprias reformas. Não vai dar certo!
Como sou um profissional de mercado “pragmático”, entendo que o governo ceda em alguns pontos. Costumo usar uma expressão popular para representar esse “ceder”: botar o “bode” na sala.
Em minha experiência, já vi muitas propostas do governo para alterar a Constituição. Em muitas, as autoridades colocam alguns itens que foram lá postos para serem retirados, mostrando boa vontade de negociar. Ou seja: retirou “o bode”, negociou e venceu.
O indigesto no caso da previdência é que não há muitos “bodes” para serem enxotados da sala. Se o governo começar a retalhar sua proposta original, de pouco (ou nada) adiantará. É preciso entender que a sociedade brasileira está envelhecendo e que, por “perder” o bônus demográfico, algo precisa ser alterado definitivamente. O curioso aqui é constatar que os partidos políticos estão olhando a questão como “política” e não como “econômica”.
Se sobrevier a ideia de transformar a mais importante das reformas numa colcha de retalhos, acredito que jogaremos um enorme “balde” de água gelada sobre os mercados financeiros. Ao governo, restará elevar os impostos, num país que já possui uma carga tributária de quase 40%. Péssimo!
Para terminar, se esse hábito brasileiro de querer um “governo paternalista”, que precise intervir e “estatizar” as atividades, não for revertido em breve, o Estado ficará além de paquidérmico. No limite, se o governo, a cada PEC, precisar colocar uma infinidade de itens para serem retirados, criaremos, muito em breve, a “Bodebrás”.