Prelúdio ou solo de guitarra?
Os que gostam de Heavy Metal, como eu, geralmente possuem uma banda favorita. A minha é Iron Maiden. Um dos maiores sucessos do grupo britânico é, sem dúvida, “666, the number of the beast”, que, na voz do vocalista Bruce Dickson, tornou-se um clássico do metal pesado.
Esta semana, faz oito anos que o índice S&P 500, referência do mercado acionário americano, atingiu a mínima do movimento de baixa, iniciado pós-crise de 2008. Naquela oportunidade, o indicador bateu nos 666 pontos, um número (para muitos) de mau augúrio. De lá para cá, entretanto, muita coisa aconteceu, e a bolsa americana se recuperou. Nos dias presentes, inclusive, vive uma espécie de “oba-oba”, com cotações alcançando, seguidamente, recordes de alta históricos. No final de fevereiro de 2017, por exemplo, o S&P registrou 2.400 pontos, mais de três vezes aquela marca soturna.
Venho, com alguma insistência, alertando para que se analise com cuidado investimentos em renda variável neste momento. Bolsas refletem, em última instância, as perspectivas econômicas, e as mudanças de humor do mercado são repentinas.
Para ilustrar, gostaria de relembrar um momento nada alvissareiro por qual passou o mercado acionário, ocorrido na virada do milênio. Em março de 2000, o índice da bolsa eletrônica Nasdaq experimentou um “meltdown”, que ficou conhecido como “bolha das pontocom”. Para os que desconhecem o episódio, no último quinquênio dos anos 1990, vivenciamos uma forte alta nas cotações de empresas desse índice (que representa as empresas da “nova economia”); uma verdadeira inflação nesses ativos. A situação era tão sem sentido que o então presidente do FED Alan Greenspan cunhou a expressão “exuberância irracional”.
Àquela oportunidade, alguns analistas vislumbravam uma “nova era”, onde os parâmetros tradicionais de análise deveriam ser abandonados, pois a internet chegara para revolucionar a economia do planeta e a globalização quebraria vários paradigmas. Ledo engano! De uma hora para outra, o mercado desabou.
Mas será que existe algum paralelo entre a “bolha das pontocom” e o momento atual?
Com o trumpismo, muitos analistas estão nessa linha de que tudo será diferente. Advogam a tese de que a política prometida pelo novo presidente, de redução de tributos para as empresas, bem como de fortes investimentos em infraestrutura, elevarão os lucros corporativos por anos a fio. Dessa forma, as cotações vão disparando, descolando-se dos fundamentos. Basta lembrar que o múltiplo preço/lucro projetado do S&P está em 20 anos; longe de ser barato.
Como mencionei acima, a bolsa deveria caminhar de mãos dadas com a economia. Porém, nesses quase trinta anos de experiência, já vi comportamentos destoantes entre ambas. Assim, queria, mais uma vez, contrapor diante dessa euforia, apresentando-lhes alguns números. Vejamos:
Nos cinco derradeiros anos do século XX, o PIB dos Estados unidos cresceu, em média, 4%. Atualmente, essa figura está pela metade. Lá, a relação dívida pública sobre PIB era 60%, enquanto, hoje, essa importante estatística representa mais de 100%.
Entre 1997 e 2000, os lucros (em base de três anos) das empresas que compõem o S&P 500 cresciam em torno de 7% a.a. e, agora, essa mesma medida está negativa em mais de 2%.
Para piorar, a produtividade crescia em torno de 1,5% a.a e, hoje em dia, o crescimento não passa de 0,5%.
Porém, a mais importante diferença (e que, com certeza, sustentou boa parte da alta observada) é que os fed funds estavam em 5% a.a. àquela época, enquanto, nos últimos cinco anos, a taxa esteve próxima de zero.
Meu ponto de análise é: as bolsas vêm subindo porque estão sem custo de oportunidade. Assim, se o FED promover aumentos inesperados nas suas taxas de juros no curto prazo, mais dia, menos dia, os investidores começarão a dar relevância àquelas variáveis relacionadas à economia, citadas acima. E, por óbvio, os números de agora são muito piores do que aqueles de antes da debacle das pontocom.
A pergunta que todos se fazem é se o FED vai agir além do que o mercado projeta. Se a resposta for positiva (lembre-se: a trumponomics é inflacionária), penso que seja prudente ficar de fora do mercado. Afinal, os rendimentos dos títulos do tesouro americano, sobretudo os de dez anos, tenderão a subir para patamares muito convidativos, tornando as ações menos atraentes. E, se lá fora desabar, o Ibovespa provavelmente não passará incólume.
No heavy metal, muitas canções começam suaves, mas evoluem para solos de guitarras com pedais de distorção no máximo. Se o mercado fosse uma dessas músicas, onde você acha que estaríamos: no prelúdio ou no solo?