Comendo pelas beiradas
O ano começou com nosso banco central (BC) mostrando uma ousadia pouco tradicional, na primeira reunião do COPOM. A decisão do colegiado foi a de reduzir, em 750 pontos base, a taxa de referência SELIC, para 13% ao ano. Na ata da reunião, recém-divulgada, a autoridade monetária indicou que levou em consideração o baixíssimo ritmo de atividade, o que não é muito usual, uma vez que o mandato que nosso BC possui é o de meta de inflação e não meta para emprego/PIB. Assim, muitos economistas de mercado mudaram suas projeções; já estão trabalhando com a taxa de um dígito para a Selic para o final de 2017.
As reflexões sobre economia monetária ganharam impulso, recentemente, após o artigo de André Lara Resende, para o jornal Valor Econômico, no último dia 13 de janeiro. O texto, apesar de técnico, merece a leitura. Um dos pontos mais interessantes é o que discute sobre a eficácia da política monetária no combate à carestia. Sugere (segundo as evidências empíricas, pós-crise de 2008) que a teoria clássica sobre inflação está equivocada, bem como a teoria keynesiana tradicional. Ademais, revela a hipótese (fundamentada por recente artigo do Prof. John Cochrane, da universidade de Stanford) que o instrumento normalmente utilizado para combater a inflação (a elevação da taxa de juros pelo banco central) só piora a doença. Em outras palavras, se a taxa de juros sobe, a inflação também sobe. Lembremo-nos que a relação inversa entre as duas variáveis é um dos pilares da política monetária dominante.
Deixemos de lado, pelo menos por enquanto, essa discussão acadêmica e caminhemos com a teoria comumente aceita para a política monetária, a chamada regra de Taylor. Na equação de Taylor, o FED (BC americano) deve estabelecer a taxa de juros nominal considerando a expectativa de inflação, o hiato do produto e a taxa de juros real (aquela descontada a inflação).
Por aqui, a maioria dos economistas acredita que a taxa de juros real de equilíbrio do nosso país fique entre 4% e 4,5%. Creio que, para o atual nível de incertezas, seria prudente adicionarmos um prêmio de risco, ao qual chamo de “prêmio extra”, melhor explicado abaixo.
Admitamos que o cenário para o IPCA seja benigno em 2017. Ao que tudo indica teremos inflação no centro da meta, de 4,5%. Como atualmente o nosso hiato de produto (diferença entre o PIB efetivo e o potencial) é negativo, haveria espaço para a SELIC abaixo de 10%.
A questão que me incomoda, no entanto, é: Será que o país está preparado, desde já, para praticar juros reais dessa magnitude, sem que isso atrapalhe a profilaxia em curso na economia? Será que os investidores internacionais, diante de todas as mazelas por quais passamos nos últimos meses/anos, abdicarão do “prêmio extra”, para adquirir os títulos do Tesouro? Façamos a conta, pois.
Se capitalizarmos um IPCA de 4% (o BC sugeriu essa figura para 2017), com 4% de juro real, mais um prêmio de risco pelo país de 2,4%[1], chegaremos a uma taxa em torno de 10,75% ao ano. Para que cheguemos a uma taxa de 9,75%, como o FOCUS está projetando, o prêmio de risco extra terá de cair para 1,5%, 30% menor que o fundo de 2016. Por que não aceito tal hipótese como factível?
Para que se efetive, os investidores internacionais precisarão se tornar mais condescendentes em relação a nós. Aceitar o país com suas incoerências, engolir sua negligência fiscal, além de dar de ombros para a eleição de 2018. Terão de acreditar que não haverá nenhum tipo de revés no ajuste fiscal, ora em curso, e que a Lava-Jato não trará novas surpresas desagradáveis. Você acredita nisso?
Outro ponto que vale assinalar: Como o FED deverá subir suas taxas (talvez para perto de 2%), o diferencial entre o juro doméstico e o externo cairá acentuadamente ao longo do ano, o que reduz a atratividade do real e aumenta a procura por dólares. Assim sendo, com um dólar mais demandado, a inflação teria um piso (em minha avaliação) de 4,5% (e não 4%).
Não é impossível, nem hipótese descabida, uma SELIC mais baixa, talvez de até um dígito. Todavia, não parece interessante, num momento delicado por que passa nossa economia, o BC extremar a audácia. Aliás, não ficou claro, na leitura da ata do COPOM, que isso correrá. Caso o quadro internacional eventualmente permita (não creio – olhemos para administração Trump), aí sim tal postura poderia ser aventada. De outra forma, melhor ir comendo o mingau pelas beiradas, para que o ciclo de queda prossiga em 2018, depois da casa bem mais arrumada.
[1] Cotação mínima do CDS Brazil em 2016