Entrar ou não?
Imagine a seguinte situação: você tem 40 anos e alguém lhe convida a fazer um investimento que retornará o valor investido somente daqui a 20 anos. Ou seja, você só o recuperará integralmente quando estiver com 60 anos. Qual seria sua decisão? Entrar ou não?
Essa provocação é interessante, pois tem a ver com uma das maneiras de se avaliar o mercado acionário e as empresas nele negociadas: os múltiplos.
Fazer o que se chama de valuation é aplicar determinadas técnicas para se chegar ao valor justo de um ativo, no caso (aqui) ações. A metodologia, do exemplo acima, envolve o tempo, uma espécie de “período de retorno” do investimento: é o múltiplo P/L (preço/lucro). Existem outros múltiplos, como EV/EBITDA, market-to-book etc. Vamos ver um exemplo do P/L.
Suponha que uma empresa esteja cotada em bolsa a R$ 10 e a mesma tenha auferido lucro anual de R$ 2 por cada ação emitida. Dessa forma, poderíamos, de forma bastante simplificada (desconsiderando outras variáveis importantes, como taxa de juro, por exemplo), admitir que o tempo de retorno desse investimento seria 5 anos (5x, na linguagem do mercado), caso o lucro de R$ 2 se repita anualmente e vá, integralmente, para o acionista.
Esse tempo de retorno pode ser comparável entre empresas de um mesmo setor, pois não faz muito sentido compararmos empresas de atividades distintas, pois as especificidades farão diferença. Se o P/L de uma empresa está abaixo da média do seu setor podemos inferir que, tudo o mais constante, a empresa está “barata”, pois possui um “payback” menor que suas pares. Já se a empresa está com múltiplo acima é de se avaliar que ela possa estar “cara” frente ao setor. Logo o múltiplo P/L pode sugerir que uma empresa deva ser comprada ou vendida em bolsa, comparativamente.
Analogamente, podemos “tomar emprestado” o conceito e calcularmos o P/L do índice acionário, não somente do setor ou de uma empresa específica. Um índice de ações é um benchmark e serve como referência. Assim, como ele é uma média ponderada da participação da ação, podemos, tomando o P/L de cada empresa, chegar ao múltiplo médio do “mercado” acionário.
Apesar da metodologia do fluxo de caixa descontado ser mais adequada, os analistas de mercado adoram o P/L. Além disso, gostam de fazer a relação usando o lucro esperado para frente e não o lucro ocorrido; chama-se P/L projetado.
Neste momento, o P/L médio projetado para o índice S&P 500, uma das principais referências do mercado bursátil internacional, está próximo dos 20 anos (aquele tempo a qual me referi no início do artigo). Nos anos antecedentes ao “boom” das empresas de tecnologia (na virada do século) o P/L médio era 22 anos. Com o estouro da bolha das pontocom, no início dos 2000, o P/L desabou para 14x, uma queda de 35%.
Como o mercado gosta de olhar o passado para tentar antever o futuro, não seria um despropósito imaginar que o mercado de ações americano esteja próximo de uma correção mais pronunciada. Se isso ocorrer, creio que o mercado brasileiro não passará incólume desse eventual movimento mais forte de queda. Estou velho para acreditar em tese de decoupling, que virou moda em 2008 (não houve o tão apregoado descasamento dos emergentes, como hão de se lembrar). Ademais, o Ibovespa saltou de 40 mil para 62 mil pontos em pouco mais de seis meses, uma tremenda valorização que pode ensejar uma realização de lucros.
Neste momento, vejo muitos analistas sugerindo fechar os olhos e comprar bolsa por aqui. O ambiente doméstico ficou mais favorável, sem dúvida, mas o cenário externo exige atenção. De minha parte, sugiro muita cautela. Caso contrário, mais uma vez, muitos incautos podem sofrer perdas amargas no mercado, especialmente aqueles que estão numa idade onde correr riscos exagerados não é tão aconselhável.