Avaliação do novo arcabouço fiscal
SOBRE O TEXTO DO NOVO ARCABOUÇO FISCAL
Com a apresentação do novo Arcabouço Fiscal no dia de ontem (18), ao Congresso Nacional, valem algumas análises prospectivas.
Primeiramente, é preciso compreender que seria improvável que um governo de viés mais à esquerda propusesse uma nova regra fiscal consubstanciada em corte de despesas.
É consensual que a proposta é fundamentada em aumento de arrecadação. Pelo lado das despesas, o que foi proposto é um crescimento condicionado ao resultado primário e em um ritmo menor que o aumento das receitas líquidas, isto é, descontada de dividendos, concessões, royalties e transferências legais e constitucionais por repartição de receitas primárias.
Caso as metas de resultado primário, estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), sejam alcançadas, o governo pode aumentar em 70%, de forma real, as despesas. Na hipótese do governo não entregar um resultado primário dentro das bandas de 0,25p.p. para cima ou para baixo, haverá uma penalização e as despesas só poderão aumentar 50% da receita.
É importante mencionar também que há um crescimento real mínimo de 0,6% e máximo de 2,5% para as despesas de forma que, se, excepcionalmente, as receitas explodirem, os gastos não vão poder ter um aumento tão expressivo.
O governo elencou também 13 exceções que não vão integrar a base de cálculo para os limites de crescimento das despesas. Algumas constitucionais e sendo o aspecto positivo a não inclusão da capitalização de bancos públicos e aumento de despesas nos Poderes da República. Se, eventualmente, mudanças forem sugeridas, tais alterações precisarão ocorrer através de quórum qualificado, o que nos parece positivo.
Um ponto do projeto que vemos com reticências tem a ver com a falta de responsabilização de autoridades, o que contrasta com o Teto dos Gastos. No artigo 7º fica estabelecido que caso a meta de resultado primário não seja cumprida, o Presidente da República apenas precisará encaminhar uma mensagem ao Congresso Nacional, até 31 de maio do exercício seguinte, com as razões do descumprimento e as medidas de correção. Esse aspecto, na verdade, contorna a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outra situação que merece avaliação mais cuidadosa é que são usados critérios diferentes para apurar a inflação para fazer as contas do crescimento real das receitas e o que vai corrigir as despesas. A variação da receita será descontada do IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano que a PLOA está sendo elaborada (esse número será a base sobre a qual o governo aplicará a regra dos 70% ou 50%), que na regra vigente é corrigido mensalmente. Já a inflação que irá corrigir o limite das despesas, o governo deverá usar o IPCA acumulado entre janeiro e junho acrescido da projeção, contida na PLOA, para o acumulado entre julho e dezembro.
Notamos também uma certa institucionalização do atrito do executivo com o Banco Central que agora passa a ter um calendário de visitas ao Congresso. Em um prazo de noventa dias após o encerramento de cada semestre, o Banco Central do Brasil deverá comparecer a reuniões das comissões temáticas, para avaliar o cumprimento dos objetivos e das metas das políticas monetária, creditícia e cambial, de forma a evidenciar o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços.
SOBRE OS DESAFIOS
O principal desafio do governo será aumentar a arrecadação em ao menos R$ 100 bilhões para conseguir zerar o déficit primário no ano de 2024, conforme proposto.
Essa meta nos parece audaciosa e entendemos que existem, seis formas (não excludentes) de alcançarmos esse objetivo:
- Fazer o PIB crescer;
- Combater a sonegação de impostos;
- Fazer uma ampla reforma tributária;
- Retirar os “jabutis tributários”, ou seja, os subsídios e renúncias fiscais a setores e empresas;
- Aumentar pura e simplesmente a carga tributária;
- Aumento da inflação.
Admitindo que os itens 5 e 6 não sejam desejáveis e o governo já anunciou que não está nos planos aumentar impostos, o ideal seria uma composição dos demais.
Pelas projeções da Órama, o PIB deve crescer em 2023 cerca de 0,9%, de modo que a atividade, ainda fraca, não gere impulso necessário para a arrecadação. Os demais itens dependem de uma boa articulação entre executivo e legislativo. A Reforma Tributária tramita via PEC, o que significa uma votação mínima para a aprovação de ⅗ das duas Casas em dois turnos de votação. Além disso, a Reforma tem um caráter de ganho de eficiência e melhora no ambiente de negócios, que são ganhos no médio prazo. Muito se discute se a Reforma traria de imediato um ganho fiscal. De qualquer forma, uma melhora no “manicômio tributário” do Brasil é um ganho estruturante que os investidores aguardam há anos.
A retirada dos subsídios depende também do Congresso, em uma tramitação de lei ordinária, de aprovação por maioria simples. A dificuldade aqui são os lobbies e grupos de interesse organizados que vão fazer pressão para não perder seus benefícios. Esse, porém, é o caminho que Haddad vem enfatizando. Segundo o Ministério da Fazenda, existem R$ 600 bilhões em renúncias fiscais do governo federal e é esperado conseguir reaver um quarto desse volume.
Já o combate à sonegação é uma medida administrativa, sem necessidade de aprovações no Congresso, mas com um custo embutido de aumento de fiscalização e resultado também pouco previsível.
De forma geral, para o governo conseguir entregar o resultado prometido será preciso um aumento da arrecadação com que vemos ser possível por um misto de melhora no ambiente macro, eficiência administrativa e aprovação de pautas importantes no Congresso. Com a inflação sob controle, e as expectativas convergindo para a meta, o Copom deve começar a reduzir as taxas de juros, contribuindo também para a atividade.
É importante lembrar que pelo arcabouço apresentado, por mais que a meta seja zerar o déficit, um resultado primário negativo em até R$ 25 bilhões, estaria no limite inferior da banda estabelecida, ou seja, em concordância com a nova regra.
SOBRE A TRAMITAÇÃO
O novo arcabouço fiscal foi entregue pelo Executivo ao Congresso e agora é preciso que seja designado um relator para o texto na Câmara. O deputado mais cotado é Cláudio Cajado (PP-BA), aliado de Arthur Lira, presidente da Câmara. Essa posição de destaque e de corresponsabilidade de Lira com o sucesso da regra fiscal é bem importante para o avanço célere do texto na Casa. O apoio de Lira, que recentemente formou um super bloco de 175 deputados, será essencial para essa aprovação.
Os projetos de lei complementar exigem um quórum diferenciado para a sua aprovação, que é, no mínimo, a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.
Todos os projetos de lei complementar devem passar pelo Plenário, não podendo ser analisados pelas comissões em caráter conclusivo. Porém, caso seja aprovado o requerimento de tramitação em regime de urgência, o projeto pode ser votado rapidamente no Plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. Nessa situação, os relatores da proposta nas comissões dão parecer oral durante a sessão, permitindo a votação imediata. O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem que ser votada em 45 dias ou passará a bloquear a pauta da Câmara ou do Senado (onde estiver no momento). Esse pedido, depende de acordo entre líderes, e até o momento não está colocado, mas é uma possibilidade.
O compromisso de Lira, na data da entrega do arcabouço fiscal, de que a tramitação na Câmara seria finalizada até o dia 10 e com uma votação de ao menos 308 deputados é extremamente audacioso. Esse será o primeiro teste de fato do poder de Lira assim como do governo. A construção de “bases de ocasião” para a aprovação de pautas específicas, parece ser a estratégia que Lula pretende usar. Caso a caso, o governo vai negociar com os parlamentares os termos dos acordos.
Por fim, vemos que o atraso para a apresentação do texto para aparar as arestas, assim com essas falas mais contundentes de Lira sobre a aprovação, nos parecem um sinal de que esse tema está relativamente pacificado no Congresso e que a tramitação não deve ser ruidosa.
SOBRE A REAÇÃO DOS MERCADOS
De forma geral, boa parte do que foi apresentado já era esperado. Contudo, despertou reações mistas entre os economistas, com elogios ao compromisso de manter as despesas dentro de limites pré-determinados, mas também críticas ao número alto de exceções contidos na proposta e a um afrouxamento nas regras para o cumprimento das metas.
Na análise da Órama, objetivamente, como mencionamos, esse era o texto que era passível de se esperar de um governo petista. Assim, nosso cenário permanece o mesmo e essas são as nossas projeções para o fim do ano:
IPCA
6,0%
PIB
0,9%
SELIC
12,00%
DÓLAR*
R$ 4,80 a 4,90
IBOVESPA
126 mil pontos
*Câmbio Médio do Ano
Continuamos recomendando cautela em relação à concentração na alocação dos recursos. Vemos que ainda existem desafios pela frente e que de fato, esse texto precisa ser aprovado para que o Banco Central possa reduzir a Selic. A recuperação econômica se dará de forma desigual e no campo das oportunidades, o agronegócio brasileiro é o setor cujo desempenho passa ao lado dessas questões domésticas.
A volatilidade vai continuar presente tanto no mercado de crédito quanto na bolsa. Nesse momento é importante saber selecionar os ativos de qualidade, com bons fundamentos e que se desvalorizaram de maneira desproporcional nos últimos meses.
De maneira geral, vemos que esse foi o primeiro passo e, se bem sucedido, deve contribuir para a retirada parcial de incertezas do horizonte, destravando valor para os investidores no Brasil.
Para saber como e onde investir nesse cenário complexo, confira as nossas Estratégias.
Alexandre Espírito Santo – Economista-Chefe
Lorena Laudares – Mestre em Ciência Política
Eduarda Schmidt – Analista de Macroeconomia
Este material foi elaborado pela Órama DTVM S.A.. Este material não é uma recomendação e não pode ser considerado como tal. Recomendamos o preenchimento do seu perfil de investidor antes da realização de investimentos, bem como que entre em contato com seu assessor para orientação com base em suas características e objetivos pessoais. Investimentos nos mercados financeiros e de capitais estão sujeitos a riscos de perda superior ao valor total do capital investido. Este material tem propósito meramente informativo. A Órama não se responsabiliza por decisões de investimentos que venham a ser tomadas com base nas informações aqui divulgadas. As informações deste material estão atualizadas até 19/04/2023.