Lula pode intervir no Banco Central? Entenda como funciona a autonomia do BC

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Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse no dia 01 de janeiro de 2023 para o seu terceiro mandato e muitas dúvidas estão surgindo sobre a forma como será a condução da política macroeconômica. É importante destacar, porém, que do lado monetário, o Banco Central conquistou sua autonomia no governo Bolsonaro, de modo que a dinâmica agora é diferente do que os petistas encontraram em suas gestões anteriores. Por isso, resumimos os pontos principais sobre esse tema tão polêmico:

A LEI COMPLEMENTAR 179/2021

A lei que estabelece a chamada autonomia do Banco Central (Lei Complementar 179/2021) entrou em vigor em 25 de fevereiro de 2021.  A estabilidade de preços continua sendo o objetivo fundamental do BC que, sem prejuízo desse objetivo, também irá zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

Com a nova lei, o Banco Central passa a ser classificado como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica“. Até então, o BC era vinculado ao Ministério da Economia. 

Mudanças na autonomia do BC teriam que ser aprovadas por meio de uma nova Lei Complementar, que exige análise em plenário das duas casas  e, no mínimo, a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado. Os projetos de lei complementar aprovados nas duas Casas são enviados ao presidente da República para sanção, que tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar. O veto pode ser total ou parcial e tem de ser votado pelo Congresso. Para rejeitar um veto, é preciso o voto da maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).

ESTRUTURA E REQUISITOS

Diretoria Colegiada composta por até nove membros, um dos quais o Presidente.  Todos precisam ser brasileiros de ilibada reputação e notória capacidade em assuntos econômico-financeiros.

NOMEAÇÃO

Todos os nove membros são nomeados pelo Presidente da República, e precisam ser aprovados pelo Senado Federal. Cada nomeado poderá ser reconduzido para mais um mandato, sendo exigida nova sabatina apenas do presidente.

O indicado para o cargo de presidente do BC assumirá no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República. 

Os oito diretores indicados assumirão de forma escalonada, de dois em dois e de ano em ano, a começar pelo primeiro ano do mandato do presidente da República. Na prática, esse formato pode fazer com que um presidente da República tenha que conviver com dirigentes indicados pelo governo anterior.

EXONERAÇÃO

Para limitar ainda mais uma eventual tentativa de antecipar uma troca de diretor por interesses políticos, a exoneração do cargo, feita pelo presidente da República, só pode ocorrer em quatro situações:

  • a pedido (do próprio diretor); 
  • por doença que incapacite o titular para o cargo; 
  • se houver condenação definitiva por ato de improbidade administrativa ou por crime cuja pena implique proibição de exercer cargos públicos; ou 
  • quando o indicado apresentar “comprovado e recorrente desempenho insuficiente”.

Nesse último caso, caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) submeter o pedido ao presidente da República, e a exoneração terá de passar também pelo Senado, com quórum de maioria absoluta (41 senadores) para aprovação.

Com a divisão do Ministério da Economia, a composição deve voltar à formação existente antes do governo Bolsonaro, com participação dos ministros do Planejamento, da Fazenda e do presidente do Banco Central.

Quando houver vacância do cargo, um substituto poderá ser indicado até a nomeação de novo titular, mas essa substituição terá de passar também pela sabatina dos senadores após indicação da Presidência da República. A posse deve ocorrer em 15 dias após a aprovação.

DECISÕES

As decisões da Diretoria Colegiada serão tomadas por maioria de votos, cabendo ao Presidente, ou a seu substituto, o voto de qualidade. 

COMPOSIÇÃO ATUAL E MANDATOS

CARGONOMEPOSSEMANDATO
Diretor de Política Monetária – DipomBruno Serra Fernandes28/02/201928/02/2023
Diretor de Fiscalização – DifisPaulo Sérgio Neves de Souza19/09/201728/02/2023
Diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos – DirexFernanda Magalhães Rumenos Guardado27/07/202131/12/2023
Diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta – DirecMaurício Costa de Moura06/06/201931/12/2023
PresidenteRoberto Campos Neto28/02/201931/12/2024
Diretora de Administração – DiradCarolina de Assis Barros27/04/201831/12/2024
Diretor de Regulação – DinorOtávio Ribeiro Damaso27/04/201531/12/2024
Diretor de Política Econômica – DipecDiogo Abry Guillen26/04/202231/12/2025
Diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução – DiorfRenato Dias de Brito Gomes26/04/202231/12/2025

CONCLUSÃO

Pela lei vigente, Lula ao final de fevereiro irá indicar tanto o novo Diretor de Política Monetária quanto o Diretor de Fiscalização. É possível que, caso sejam aprovados no Senado nomes com um perfil mais alinhado às ideias de Lula e Haddad sobre economia, o mercado reaja negativamente. Porém, no nosso cenário base essas mudanças de composição na diretoria não alteram a trajetória da política monetária, dadas as amarras institucionais e o processo mais complexo de indicação e exoneração.

Não trabalhamos com a hipótese de exoneração antecipada para a formação de uma maioria de indicados por Lula e nem de alterações na Lei Complementar 179/2021. Ao nosso ver, o custo político e social dessas alterações é elevado em momento que há outras prioridades do próprio governo, como a anunciada reforma tributária.

O atual chefe da autarquia, Roberto Campos Neto, pode ser reconduzido em 2024, mas deu indicações de que não pretende ocupar a cadeira novamente. Vale a lembrança que nos primeiros dois governos de Lula, Henrique Meirelles ficou à frente do BC de 2003 a 2011.

O Banco Central autônomo foi uma conquista importante para a sociedade brasileira que tem um histórico de descontrole inflacionário. O alinhamento e ancoragem das expectativas de longo prazo para juros e inflação dependem da credibilidade da autoridade monetária e por isso acompanharemos o desenrolar da aplicação dessa nova lei com bastante atenção.

Lorena Laudares |  Mestre em Ciência Política 

(21) 98115-6831 –  lorena.laudares@orama.com.br

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