As indefinições que afligem o mercado
A PEC DA TRANSIÇÃO
Na semana passada, Geraldo Alckmin entregou a minuta da PEC da Transição ao Congresso Nacional. Essa versão preliminar aparentemente concretizava o maior medo do mercado financeiro: a retirada do Bolsa Família de forma permanente do teto dos gastos, gerando um estouro anual de quase R$ 200 bilhões.
Desde então surgiram, além de críticas, PECs alternativas. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), no final de semana, sugeriu gastos extras de R$ 70 bilhões, com limite de quatro anos e condicionado à aprovação, via lei complementar, de uma nova regra fiscal até 17 de julho de 2023. O também senador, Tasso Jereissati (PSDB-CE), apresentou um outro texto com um limite de gastos fora do teto em R$ 80 bilhões.
O Congresso tenta limitar esse prazo para o estouro do teto, até mesmo para que possa barganhar de tempos em tempos com o executivo.
As negociações continuam, e agora que o presidente eleito Lula voltou da COP 27 no Egito, ele assume essa articulação. A previsão de interlocutores era que o governo eleito apresentasse o texto final da PEC nesta terça-feira (22). O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no entanto, afirmou que o texto só deve ser apresentado na quarta (23). Vamos aguardar para ver o vem por aí.
Faltam apenas 20 dias úteis para o recesso do Congresso Nacional. É importante a definição do texto para que a PEC tenha a sua votação concluída no Senado na próxima semana e em seguida seja apreciada na Câmara dos Deputados. PECs precisam de maioria de ⅗ das duas casas legislativas em dois turnos de votação e não estão sujeitas à sanção presidencial.
O COMANDO DA PASTA ECONÔMICA
Em 2002, quando ganhou pela primeira vez, Lula levou 44 dias após a vitória nas urnas para indicar ministros. Os primeiros nomes revelados foram Antonio Palocci, na Fazenda, e Marina Silva, no Meio Ambiente, em 10 de dezembro.
Há uma expectativa enorme sobre quem comandará a pasta econômica especialmente após as falas de Lula contrapondo responsabilidade fiscal e social. Fernando Haddad é um dos mais cotados, mas ainda sem definição se para a Fazenda ou Planejamento. Entre os políticos, Rui Costa, Wellington Dias e Alexandre Padilha também surgem como competitivos. Nomes de economistas próximos à Alckmin e ao PDSB “tradicional” não são descartados.
NOVA REGRA FISCAL
Talvez mais importante que a PEC e que o ministro, a apresentação de uma nova regra fiscal é um dos pontos mais críticos para o alinhamento de expectativas de longo prazo. Existem algumas sugestões à mesa como a do Tesouro Nacional que propõe uma nova âncora fiscal para substituir as três regras atualmente em vigor (teto dos gastos, meta de superávit primário e regra de ouro). A ideia é limitar o crescimento real dos gastos do governo federal à trajetória da dívida líquida: quanto menor o nível da dívida líquida do governo, maior pode ser a taxa de crescimento real das suas despesas, e essa flexibilidade para gastar aumenta mais quando a dívida está em trajetória de queda e também quando as contas forem superavitárias.
Contudo, discutir uma nova regra é mais complexo nesse momento de transição, dado que é menos consensual, mais abrangente e também precisará de ser uma via PEC, uma vez que o teto dos gastos é uma Emenda Constitucional.
Devemos esperar o desenho dessa nova âncora para o início de fato da próxima legislatura, quando Lula já será presidente e negociará com o Congresso eleito com plenos poderes. A equipe de transição precisa escolher suas batalhas e a continuidade do pagamento do Bolsa Família de R$ 600 em janeiro é a prioridade máxima.
CONCLUSÃO
Devemos ver até o fim dessa semana o texto final da PEC. O nome de quem chefiará a pasta econômica também pode ser anunciado em breve. Porém uma nova âncora fiscal crível vai exigir mais tempo e testa a “paciência” do mercado.
Equanto só temos indefinições, os agentes econômicos reagem tempestivamente a cada nova fala do presidente eleito, que ora tende à irresponsabilidade fiscal, ora modera esses impulsos. A volatilidade em ativos de risco e especialmente no mercado de juros deve continuar elevada. É muito difícil traçar cenários quando não temos nada de concreto e principalmente quando as propostas variam entre R$ 70 bi a R$ 200 bi de gastos por um ano, dois, quatro ou pra sempre. O momento exige cautela, sem tomar decições precipitadas com base em especulações de textos, nomes e promessas ainda não cumpridas. A medida que tivermos o desenrolar desses três pontos, um a um, já teremos esse nevoeiro, em parte, se dissipando e aí sim, conseguiremos olhar para além do fim da semana. Até lá, é acompanhar o dia a dia e entender, sem uma visão completa, para onde estamos indo.
Lorena Laudares | Mestre em Ciência Política
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