Crise na Ucrânia – 04/03/2022

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A GUERRA NA UCRÂNIA E O PAPEL DA CHINA


Em meio às tensões sobre a invasão russa à Ucrânia, o posicionamento chinês, por vezes ambíguo, vem chamando a atenção e precisa ser analisado de maneira separada. 

A diplomacia chinesa tradicionalmente defende a integridade territorial dos Estados Soberanos, por ter conflitos separatistas em seu próprio país. De maneira esperada, a conversa, no dia 01 de março, entre os Ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, e da China, Wang Yi, foi nessa linha.

Wang Yi defendeu uma solução negociada e condenou “os danos causados a civis e as crises humanitárias” decorrentes do conflito, ao mesmo tempo que também reforçou o principal argumento russo: o potencial desestabilizador da expansão de blocos militares (o caso da OTAN). Nessa mesma ocasião, o representante ucraniano teria dito que a China desempenha um papel construtivo nesta questão e que a Ucrânia está pronta para intensificar a comunicação com o lado chinês. Kuleba teria mencionado inclusive que aguarda ansiosamente pelos esforços de mediação da China para o cessar-fogo.

No dia seguinte (02 de março) na Assembleia Geral da ONU, porém, China se absteve em relação à resolução da ONU que condenava a invasão russa e exigia que Moscou retirasse suas forçar militares da Ucrânica de forma “imediata, completa e incondicional”. Os chineses se posicionam contra as sanções unilaterais que o Ocidente vem impondo e hoje é um dos mais importantes aliados de Vladimir Putin, mesmo que com ressalvas. 

Essa posição peculiar da China é mais do que um reflexo da tentativa de manter relações diplomáticas e econômicas com a Rússia e com a Europa. A China hoje tem a oportunidade de se tornar geopoliticamente mais relevante. Ao se posicionar como não beligerante, defensora do diálogo e da paz, a China avança no campo internacional, assumindo um papel tradicionalmente exercido pelos países ocidentais, que hoje estão no centro do conflito.

Além disso, a paz é um ingrediente muito importante para os planos chineses de expansão do Belt and Road Initiative (BRI). O corredor logístico que passa pela Rússia e conecta a China com a Europa é uma aposta do governo chinês para conseguir manter seu ritmo de crescimento.

O calendário também empurra a China para assumir esse papel de mediador porque as Duas Sessões ou Two Sessions acontecem por cerca de duas semanas a partir do dia 04 de março. As sessões plenárias conjuntas anuais do Congresso Nacional do Povo (NPC) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CPPCC) são os eventos políticos mais importantes da China e é observado tanto pela população quanto pelos analistas internacionais. A sua principal função é  ratificar as estratégias definidas na reunião Nacional do Partido Comunista, que ocorre todos os anos em outubro ou novembro.

O NPC e o CPPCC formam o corpo legislativo da China. O primeiro tem, em média, 3000 membros, e o segundo conta com mais de 2.200 integrantes. Pela quantidade de cadeiras e pela preponderância do Partido Comunista da China (PCC) na composição deste “legislativo” – o PCC possui mais de 70% dos assentos-  é de se imaginar que, na prática, essas sessões não tenham relevância decisória. Contudo, são sessões expositivas que sinalizam os rumos da China para o ano. As metas de desenvolvimento para 2022 serão divulgadas no sábado (05/03) no relatório de trabalho do governo, que geralmente inclui as metas do país sobre crescimento do PIB, inflação, relação déficit/PIB, emprego, consumo e comércio exterior, entre outros. No ano passado a economia da China teve uma forte recuperação, apesar da pandemia e de um ambiente externo complicado, com seu PIB crescendo 8,1% ano a ano para 114,37 trilhões de yuans (cerca de US$ 18 trilhões).

Para manter esse crescimento e assegurar o desenvolvimento desejado, os chineses vão cada vez mais buscar investir diretamente no exterior (BRI), mas especialmente buscar desenvolver seu mercado doméstico. E para isso, nesta semana já foram anunciadas políticas para estabilizar o comércio e as cadeias de suprimentos. Os chineses estão repondo seus estoques, especialmente de commodities para garantir o fornecimento de insumos para o atingimento dessas metas. Demonstrar essa capacidade nas Duas Sessões vai ser muito importante. 

O pragmatismo chinês em manter bons relacionamentos com a Rússia e Europa, assim como a oportunidade de ganhar econômica e geopoliticamente com a resolução de conflito na Ucrânia, somada com a janela de exposição doméstica e internacional que tem as Duas Sessões, podem fazer os chineses adotarem um papel de maior protagonismo nessa guerra, colaborando com uma solução diplomática. Uma saída no diálogo, entretanto, precisa ser rápida, dado que a guerra já está acontecendo. Quanto mais tempo se passa, mais vidas são perdidas e mais difícil vai se tornar envolver ambas as partes em um acordo de paz.

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